domingo, 31 de janeiro de 2016

AS ESPIÃS DO DIA D


Fico tão feliz quando leio um bom livro que às vezes me pego sabotando a leitura para que o livro não acabe e ao mesmo tempo quero ler rápido para saber como vai terminar a história. Parece contraditório e realmente o é, sou acometido por uma ansiedade boa e fecho o livro nas horas mais impactantes para, em seguida, abrir novamente e seguir devorando as palavras com os olhos. A leitura de As Espiãs do Dia D aconteceu exatamente como expliquei acima. Ganhei de presente no ano passado e como leio imediatamente a orelha de qualquer livro que me caia às mãos, o tema Segunda Guerra Mundial me pareceu déjà vu com outra obra do Ken Follett (1949), O Buraco da Agulha, que li nos anos 1980.

Por isso o livro acabou ficando na estante por uns bons meses até que tia Liane me ligou pedindo emprestado algo para ler, ela sempre faz isso e deixa a escolha sob meu critério. Como já sei que gosta dos romances e de preferência com personagens femininos fortes, bastou olhar a estante para escolher As Espiãs, mas fiquei impressionado quando ela me devolveu, quatro dias depois, dizendo que não conseguiu parar de ler. Minha curiosidade foi despertada e eu coloquei o livro no primeiro lugar da fila. Não me arrependi.

Ken Follett conquistou seus fãs com um estilo absolutamente avassalador de escrever, a grande maioria de suas obras possui a temática da guerra, com doses de espionagem e um pouco de romance para apimentar a história que, quase sempre, usa fatos históricos como pano de fundo. É às vésperas do Dia D que os destinos de Felicity Clairet, ou Flick como todos a chamam, e Dieter Frank se cruzam. Ela é Major da Executiva de Operações Especiais do exército britânico, uma mulher lutadora, bonita, bem treinada, capaz de pensar rápido e escapar quase ilesa do perigo iminente nas operações de resistência face à fúria expansionista do Terceiro Reich. Dieter é General do Exército Alemão, extremamente sagaz e exímio torturador de soldados inimigos, não se furta a torturar também civis se perceber que pode tirar proveito disso para o bem de Hitler e da Alemanha. Flick e Dieter travarão uma luta de inteligência e perspicácia que vai culminar num final de tirar o fôlego.

O que mais admiro na escrita de Ken Follett é que, mesmo usando fatos históricos como ambientação da obra e todos já sabendo como esses fatos aconteceram, a narrativa é tão interessante quanto se fosse cem por cento inventada.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Escada lateral do casarão do Museu Palacete das Artes
Data: 25/03/2016

domingo, 24 de janeiro de 2016

DESAPARECIDO PARA SEMPRE


Quando gosto de um autor quero que todo mundo o leia, e como não sou um déspota a palavra ‘quero’ que escrevi antes fica, no máximo, com o contexto de recomendo. Por isso abandono os livros, é uma forma de compartilhar e levar para algum desconhecido o gostinho pela literatura e quem sabe fazê-lo despertar para outros livros. Quando gosto de um autor fico com aquela ansiedade boa para ler toda a sua obra, foi assim com a Marguerite Yourcenar, Clarice Lispector, Machado de Assis, Jorge Amado, Sidney Sheldon, Nelson Motta, Dan Brown, John Green, dentre outros, e agora está acontecendo com o Harlan Coben (1962).

Esse foi o quarto livro que li do autor e por coincidência também é o quarto livro da sua fase ‘independente’. Harlan escreveu os livros Play Dead e Miracle Cure, que eu saiba ainda não lançados no Brasil, antes de se dedicar à série de livros de suspense com o personagem Myron Bolitar, seria uma espécie de Hercule Poirot se eu o estivesse comparando com a autora Agatha Christie. Foi um hiato de dez anos dedicados a essa série até o retorno aos independentes com o ótimo Não Conte a Ninguém, já comentado aqui no blog.

Desaparecido para Sempre é a história de dois irmãos, Will e Ken, este último desaparecido e dado como morto desde que fugiu da cena do assassinato da jovem Julie Miller, ex-namorada de Will. A história começa onze anos depois, Will refez a vida, trabalha numa instituição que retira jovens das ruas e está apaixonado por Sheila Rogers, uma voluntária da instituição. Tudo muda quando, antes de falecer, a mãe deles revela a Will que seu irmão está vivo. No dia seguinte Sheila desaparece e logo depois é encontrada às margens de uma estrada, foi assassinada com requintes de tortura. Amigos de infância, gângsteres, matadores profissionais e até o FBI estão atrás de Will, todos supõem que ele é o elo de ligação para tudo que está acontecendo.

Não sei se este é o melhor livro do Harlan Coben, tive que vencer as cem primeiras páginas para começar a ler compulsivamente, mas não posso deixar de reconhecer que é uma grande história, cheia de reviravoltas, com vilões verossímeis apesar de quase caricatos, um final inesperado e muito bem amarrado. Ainda assim é um desses livros que você lê e se esquece de almoçar, recomeça à tarde e quando percebe já está escuro, e se vai ler antes de dormir não pensa que no dia seguinte vai ter que acordar cedo para trabalhar.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Pátio interno do Mercado Modelo
Data: 20/02/2016

domingo, 17 de janeiro de 2016

O MORRO DOS VENTOS UIVANTES


Considero a década de 1980 como e época mais fértil das minhas leituras. Foi quando comecei a trabalhar e amargava boas horas dentro do ônibus que me levava e trazia do trabalho. Nessa época me acostumei a ler com o coletivo em movimento, mas dependia de ter acentos livres. Quando a empresa que eu trabalhava passou a oferecer ônibus fretado o hábito se intensificou, eram pelo menos três horas de leitura diária que compreendia o trajeto de ida e volta, muitos colegas dormiam e eu aproveitava o silêncio como se estivesse numa biblioteca. Durante quatro anos usei esse tempo para ler quase todos os livros das coleções que a Editora Abril lançava quinzenalmente nas bancas de revista.

Eram coleções formadas basicamente por grandes obras da literatura nacional e estrangeira, impressos em papel “inferior” os livros eram bem mais baratos que os encontrados nas livrarias. Sorte a minha que pude ler obras primas sem pagar muito, uma delas foi O Morro dos Ventos Uivantes, um clássico da literatura inglesa escrito por Emily Brontë (1818-1848) com pseudônimo de Ellis Bell. O livro foi lançado em 1847, mas só chegou ao Brasil por volta de 1940, até os dias de hoje foram muitas edições e também adaptações para o cinema e a TV. Nos dias de hoje é uma obra quase esquecida assim como foi a vida da sua autora, uma mulher extremamente tímida que vivia reclusa e morreu de tuberculose aos trinta anos sem provar o gosto do sucesso de seu único livro em prosa.

A história é contada pela governanta Ellen Dean e começa quando o patriarca da família Earnshaw volta de viagem e traz um jovem órfão de procedência não explicada para morar na propriedade de Tcrushcross Grange. O jovem de nome Heathcliff desperta a afeição da filha Catherine e ao mesmo tempo um ciúme doentio do filho Hindley por achar que o pai gostava mais do intruso que do próprio filho legítimo. Com a morte do Sr. e Sra. Earnshaw, Hindley passa a tratar Heathcliff como um criado, humilhando-o e castigando-o. Catherine e Heathcliff se apaixonam, mas ela decide casar-se com outro temendo que o jovem não consiga sustenta-la como está acostumada e isso faz com que Heathcliff abandone a propriedade. Anos mais tarde ele volta rico e disposto a vingar-se de todos que o humilharam, essa vingança irá se arrastar por três gerações.

O livro é tão rico em detalhes e por vezes tão sombrio e violento, com descrições precisas sobre a alma dos personagens, que fica difícil acreditar que foi escrito por uma mulher tão solitária e introspectiva. Li um texto que Charlote Brontë escreveu sobre a irmã Emily: “Embora seus sentimentos pelos que a cercavam fossem benevolentes, relações com eles ela nunca procurou, nem, com poucas exceções, as experimentou. E mesmo assim ela os conhecia: sabia seus costumes, sua linguagem e a história de suas famílias. Podia ouvir sobre eles com interesse, e falar deles com detalhes, porém, com eles, raramente trocou uma palavra.”

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Sorveteria do Porto da Barra
Data: 20/02/2016

domingo, 10 de janeiro de 2016

ORFEU DA CONCEIÇÃO


Comecei recentemente a fazer uma pesquisa de textos escritos para o teatro musical quando achei na minha estante esse requinte publicado pelo Vinicius de Morais (1913-1980) cuja obra eu foi pouco citada aqui no blog. Temos o hábito simplista de ligar o Vinicius à música ou à poesia e esquecemos sua faceta de jornalista e escritor, o que é uma injustiça com a universalidade de suas obras. Em se tratando de um artista tão completo Orfeu da Conceição nasceu para ser peça de teatro, foi publicado em livro, acabou inspirando um filme e posteriormente virou um disco com canções memoráveis.

Orfeu é uma das mais lidas e encenadas obras da mitologia grega. Já Orfeu da Conceição faz parte da tragédia carioca, ambientada numa favela traz para o grande público o universo de um compositor que perde sua musa e se rende à dor. Num feriado de carnaval a história de amor entre Orfeu e Eurídice tem um final trágico, o sambista que vive no morro é filho de pai músico e mãe lavadeira. A paixão que os une desperta o ciúme doentio de Mira, ex-namorada de Orfeu que influencia Aristeu, apaixonado por Eurídice, a matá-la.

No exemplar que pretendo abandonar há um detalhe bem bacana na obra que é a cifra de todas as músicas compostas para o espetáculo, para quem sabe tocar violão é a oportunidade de cantar enquanto lê a obra. As músicas de Vinícius, estreando a parceira com Tom Jobim, são imortais: Se Todos Fossem Iguais a Você, Lamento no Morro, Um Nome de Mulher, Eu e o Meu Amor, etc, são canções que faziam parte do LP lançado posteriormente à obra e estão imortalizadas.

Algumas curiosidades sobre a peça musical é que o cenário foi feito pelo Oscar Niemeyer e a estreia foi em setembro de 1956 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no elenco estava Abdias Nascimento, Haroldo Costa, Ademar Pereira da Silva e Ruth de Souza, dentre outros. Era a primeira vez que atores negros pisavam o palco do Teatro Municipal. O elenco composto por atores negros foi exigência do próprio Vinícius, como está escrito na sua biografia: “Todas as personagens da tragédia devem ser normalmente representadas por atores da raça negra, não importando isto em que não possa ser, eventualmente, encenada com atores brancos.”

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Banco da praça em frente ao restaurante Coco Bahia
Data: 13/02/2016

domingo, 3 de janeiro de 2016

DICIONÁRIO DE BAIANÊS


Gostaria de começar o ano com um pouco de bairrismo e afirmação da minha baianidade nagô, quando escrevi sobre o almanaque Mofolândia declarei aqui no blog meu gosto pessoal por dicionários e enumerei alguns que tenho em casa. Dentre eles não poderia faltar o Dicionário de Baianês, pesquisado, divulgado e já algumas vezes revisado pelo Nivaldo Lariú, grande pesquisador da cultura baiana. Cabe alertar aos leigos que em Salvador/BA fala-se português como em todo o território nacional e o dito “Baianês” é fruto da variação dialética do português culto, que é a língua oficial do Brasil, onde se insere o sotaque baiano na emissão dos fonemas e as gírias faladas nas ruas.

Vou dar um exemplo que li outro dia sobre a evolução do tratamento clássico ‘Vossa Mercê’ que vem do português culto, ou arcaico como alguns já o denominam. Os escravos e as pessoas pouco alfabetizadas transformaram a expressão ‘Vossa Mercê’ em ‘Vosmissê’, que posteriormente foi adotado por todos por ser de mais fácil dicção. A partir daí foi adaptado para a forma mais comum: ‘Você’, que ganhou uma variação simplória para ‘Cê’ e, atualmente na linguagem da internet, escreve-se somente ‘vc’.

Vejam o caso da expressão “Vamos embora”; ela foi modificada pelo Baianês para ‘Vumbora’, que posteriormente foi cortada e surgiu a gíria ‘Bora’ e esta por sua vez já foi simplificada para ‘Bó’. Daí ganhou uma versão mais cheia de malemolência e criatividade do baiano que é ‘Borimbora’, adaptada de ‘Vumbora embora’, quase um pleonasmo. Mesmo sendo nativo dessa terra por vezes ouço diálogos que não entendo o linguajar, isso também acontecia em São Paulo e também quando me reunia com os amigos gaúchos, todos os lugares acabam por criar expressões regionais que só enriquecem nosso vocabulário.

Para dar um gostinho vou citar algumas expressões contidas no dicionário:

Comer água – beber com amigos, com sentido de comemorar.

Dei um ninja – escapei de um compromisso ou algo desagradável.

Vai chorar, é? – quando alguém fica cheio de explicações sobre alguma coisa que aconteceu. Ex: time do Bahia perde o jogo e o torcedor fala que o time perdeu porque estava sem os titulares e o que o juiz roubou, etc. Quem está ouvindo esse monte de desculpas diz: "vai chorar, é?"

Larga o doce – desembucha, fala logo.

A ideia do Nivaldo Lariú é pura diversão, se você é baiano vai rir bastante com suas próprias gags, mas se você é turista saberá por que o baiano é tão ‘gente boa’.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Restaurante Pereira (varanda)
Data: 02/02/2016