domingo, 25 de janeiro de 2015

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA


Com a pausa para reflexão na semana passada hoje vou escrever sobre um livro complexo, um livro que demorei muito para ler, não porque tivesse muitas páginas, mas porque sofri muito enquanto lia. Por diversas vezes dei uma pausa e li outro livro mais ameno para compensar o estarrecer e a dor que me fazia fechar o livro no fim de uma determinada descrição e pensar na minha vida. O grande José Saramago (1922-2010) tem essa capacidade de me fazer sofrer, chorar durante a leitura e querer parar ao invés de continuar. Seu estilo de escrita fluente que mistura a forma direta com a indireta na estética, o pouco uso de parágrafos, travessão e aspas, nesse livro não há personagens com nomes.

O início de tudo parece ficção científica, mas depois veremos que Saramago vai muito além de explicações plausíveis ou de mera ficção. O primeiro caso da “treva branca” manifesta-se num motorista no meio do trânsito, depois vai se espalhando indiscriminadamente por quem tem contato com o primeiro cego e logo o governo anuncia uma epidemia. Levam os infectados para uma espécie de campo de concentração, é lá que uma nova sociedade se formará e o humano dará lugar ao primitivo. Nesse mundo apenas uma mulher, a mulher do médico, misteriosamente não infectada e que tudo vê, presencia e enfrenta os horrores que seremos cúmplices na obra: poder, obediência, ganância, carinho, desejo, vergonha, lutas entre grupos dominadores e dominados, compaixão pelos doentes e velhos, violência bárbara e gratuita, abuso sexual e mortes, o ser primitivo e seus piores instintos de sobrevivência.

A mulher do médico, que tudo vê mas finge-se de cega para ficar perto do marido, descobre que não há mais guardas, que toda a cidade está deserta e os homens primitivos sobrevivem vagando como nômades. Fugindo de um grupo de cegos que monopoliza a escassa comida e subjuga os famintos por favores sexuais, ela guia o marido médico, o primeiro cego, a mulher do primeiro cego e a rapariga de óculos escuros pela cidade abandonada, depara-se com cadáveres espalhados pelas ruas, incêndios, supermercados saqueados e, ao entrar numa igreja percebe que todos os santos estão vendados, o autor nos diz: “se os céus não veem, que ninguém veja...”

Ao concluir a leitura desse livro que durou mais de seis meses, percebi o quanto é urgente que resgatemos nossa lucidez, o afeto, a ética, honestidade e responsabilidade sobre o que fazemos. Nesses tempos de grandes escândalos que desvendam muita corrupção percebo que alguma coisa se perdeu e aí cito novamente o mestre Saramago: “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”.

Existe uma boa versão do livro adaptada para o cinema em 2008 e dirigida pelo Fernando Meireles, recomendo somente ver o filme despois de ler o livro. Só assim você perceberá a dimensão do trabalho do autor e como o Fernando Meireles conseguiu traduzir tanto sentimento.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de Ônibus - Av. Oceânica em frente ao Hotel Othon
Data: 28/02/2015

domingo, 18 de janeiro de 2015

HOJE NÃO TEM LIVRO


Pela primeira vez em quase cinco anos de blog hoje não vou escrever sobre um livro que pretendo abandonar, andei um pouco estarrecido com o noticiário da última semana e tomei essa decisão ontem ao ler uma matéria no jornal sobre o resultado do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) realizado no final do ano passado. Segundo a matéria que li foram 8,7 milhões de inscritos, desses 6,1 milhões efetivamente comparecem para as provas, o que retira do páreo mais ou menos 29% da concorrência. Até aí nada de novo porque isso é bom para quem realmente enfrentou o desafio.

O que me deixou bestificado foi que mais de 500 mil inscritos que foram fazer as provas tiraram zero, isso mesmo, z-e-r-o, na prova de redação. E isso significa desclassificação para concorrer a uma vaga nas universidades já que a regra é clara. O terrível é que quase 8 mil não conseguiram escrever o mínimo de linhas exigidas e em torno de mil redações ganharam o zero porque seus textos feriam os direitos humanos, isso quer dizer que continham claras insinuações de racismo, xenofobia ou explícito preconceito.

Quando a nossa presidenta Dilma fez o discurso relativo ao segundo mandato e anunciou a alteração do lema do seu governo para “Brasil, pátria educadora” levantou uma questão importante e eu espero, sinceramente, que se faça algo pela educação. Não tenho partido político definido, sou daqueles que gostam de políticos honestos e com boas ideias, independente de partidos ou coligações, mas penso em quantos anos serão consumidos para reequipar escolas públicas, torna-las aprazíveis e foco de orgulho da cidade, bairro ou comunidade. Quantos anos serão necessários para que professores consigam melhor remuneração e tempo para estudar, sim, estudar, professor que não estuda é que nem médico que não estuda, fica defasado, cai do trem, fica pra trás.

Sinceramente parabenizo os 250 alunos que receberam a nota máxima, menos de 1% dos que fizeram a prova, no meu conceito não são pessoas especiais, são aqueles que se tornaram especiais porque estudaram, leram, buscaram informações. Quem me conhece sabe perfeitamente que não acredito em pessoas que nascem especiais, acho que tornar-se especial é fruto de muito trabalho, perseverança, dedicação e abnegação. Meu abraço sincero para todos os jovens que conseguiram uma pontuação acima de 800 e tomara que esses pontos façam a diferença em suas vidas, um sinal de que tudo valeu a pena.


A foto que ilustra o post é da Gabriela Almeida Costa, estudante de geologia do Instituto Federal da Bahia (IFBA), publicada na versão on line do jornal Correio. Ela diz “Gostei bastante do tema. Tinha lido muitas coisas durante o ano que estavam relacionadas com a proposta. O meu gosto por leitura também ajudou a obedecer aos critérios exigidos na correção da prova”. Segundo o jornal Gabriela tem em sua casa três estantes repletas de livros. Atualmente o livro que está na cabeceira da estudante é a biografia de Malala Yousafzai, exatamente o livro que abre o ano de 2015 no blog. Fica a dica.

domingo, 11 de janeiro de 2015

QUEM É VOCÊ, ALASKA?


Um grande talvez, essa é a busca do adolescente Miles Halter quando deixa a casa dos pais na Flórida e aventura-se na escola Culver Creek, um internato que funciona do estado do Alabama. Como quase todos os personagens adolescentes dos livros de John Green (1977), Miles, ou Gordo, como será conhecido posteriormente, tem pais bacanas, vive em harmonia familiar padrão e tem pouquíssimos amigos. No início das histórias os personagens têm dificuldades em relacionar-se, e no fim dos livros as amizades são externadas nas formas mais inusitadas.

‘Quem é Você, Alaska?’ é o primeiro romance do até então desconhecido John Green que foi publicado em 2005, portanto sete anos antes do seu maior sucesso A Culpa é das Estrelas. Sua história é universal, emocionará nos momentos certos, nos fará pensar sobre religião de uma forma pouco acadêmica e nos intrigará quando a imagem politicamente correta dos jovens for transgredida. John mostrará jovens inteligentes, estudiosos, leitores assíduos de obras importantes, e que por serem jovens também possuem características inconsequentes e autodestrutivas. Eles vão fumar e beber muito, e em muitas ocasiões os protagonistas carentes de amigos se sentirá forçado a acompanhar as transgressões pelo simples fato de querer se integrar e fazer parte do coletivo. Dez anos após a publicação é ainda muito atual.

Os capítulos do livro possuem uma contagem regressiva no bloco intitulado “Antes” e uma contagem progressiva no bloco “Depois” e Alaska Young é o mote principal dos dois tempos. A história vai envolver Miles (Gordo), Chip (Coronel), Takumi e Lara em torno dela. Cinco adolescentes descobrindo uma improvável amizade, debatendo sobre os ‘comos’ e os ‘porquês’ da existência, vivendo a adrenalina de desobedecer às regras, o quão importante é o valor da vida e o sofrimento de viver em um grande labirinto sem saber direito se é bom descobrir a saída e o preço que se paga por isso.

Miles (Gordo) é o nosso narrador e será a partir dele que faremos a mesma pergunta, a mesma escrita por Alaska no seu trabalho para a aula de Religião: “Como sairemos deste labirinto de sofrimento?” Mas não se espante o leitor em achar que se trata de um livro filosófico sobre adolescência, os intrincados trotes escolares, os porres no Buraco do Fumo e a história do primeiro boquete fará você dar boas gargalhadas. Vale à pena.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Praça Ana Lucia Magalhães - Pituba
Data: 28/02/2015

domingo, 4 de janeiro de 2015

EU SOU MALALA


Este é o primeiro post do ano de 2015, quem me conhece bem sabe que o Natal não é das minhas festas preferidas, o Réveillon muito menos, mas sei que é quase impossível não se contaminar com a enxurrada de mensagens de paz, harmonia, etc, etc, etc... Como disse outro dia um amigo, é uma época que paira no ar uma energia bacana de bons pensamentos e bons desejos. Imbuído desse clima de bons agouros para o ano que se inicia vou abandonar um livro que me emociona muito, um desses livros que volta e meia presenteio amigos e sempre que posso releio partes para me assegurar que boas ações só dependem de nós mesmos.

Malala Yousafzai (1997) é uma garota nascida no vale do Swat, província de Khyber Pakhtunkhwa, no Paquistão, uma região dominada pelo Talibã desde meados de 2007 por ser um ponto crucial de vizinhança com o Afeganistão. Malala cresceu numa sociedade que privilegia e valoriza somente os filhos homens, é uma região marcada pela desigualdade social, as belezas do deserto e a violência do Talibã. Ela obteve algumas regalias porque sua família gerenciava algumas escolas e proporcionou a filha uma educação escondida. Aos 11 anos Malala conseguiu se fazer ouvir, escrevia escondida para um blog contando seu quotidiano durante a ocupação Talibã, seus pontos de vista sobre a educação e principalmente a revolta com tratamento dado às mulheres no vale do Swat. O blog chamou a atenção da BBC de Londres e no verão seguinte o jornal The New York Times quis saber quem era essa garota. A popularidade de Malala cresceu muito depois que foi indicada pelo ativista Desmond Tutu para o Prêmio Internacional da Criança.

Em 9 de outubro de 2012 um homem armado subiu em um ônibus escolar cheio de crianças, chamou pelo nome de Malala, apontou-lhe uma pistola e disparou três tiros, uma das balas atingiu-lhe o lado esquerdo da testa. Ela ficou entre a vida e a morte por vários dias e a repercussão do atentado Talibã tentando calar Malala foi internacional, nesse trágico acontecimento sua luta pela educação ganhou proporções mundiais.

O livro conta essa fascinante história e os momentos cruciais que passou por causa da luta pelo direito à educação. Com apenas dezessete anos Malala foi a ganhadora do Nobel da Paz, juntamente com Kailash Satyarthi. Sua luta fez com que uma petição da ONU, com o slogan ‘I am Malala’, impulsionasse a retificação da primeira lei de direito a educação no Paquistão.

Num trecho do livro, escrito em parceira com a jornalista britânica Christina Lamb, ela diz: “Sentar numa cadeira, ler meus livros rodeada pelos meus amigos é um direito meu”. Malala, no seu tempo e na sua pequenez, fez uma diferença enorme no mundo.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Cinema do Shopping Barra - Grade de Panfletos
Data: 10/02/2015