domingo, 30 de setembro de 2012

CAÇADAS DE PEDRINHO


Ontem eu fui comprar um livro que pretendia reler e depois abandonar. É a segunda vez que faço isso. O motivo: a coluna do jornalista Hagamenon Brito no jornal Correio de sexta-feira, dia 28/9/12. Na coluna o jornalista escreve sobre o filme TED e faz uma menção ao politicamente correto. Daí cita uma ação que o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) move contra o livro ‘Caçadas de Pedrinho’ por considera-lo racista. Antes, a professora Nilma Lino Gomes já havia emitido um parecer aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação – CNE a partir de denúncia da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial.

Eu li esse livro quando tinha 13 anos, e ontem reli as 72 páginas com meus já passados 49 anos. Ainda acho a obra do Monteiro Lobato (1882-1948) genial, e o que fica pra mim são as lições de coragem, perseverança, amor aos animais e principalmente o lado aventureiro de Pedrinho, Narizinho, Emília e o Visconde. Convenhamos que o livro, escrito em 1933, tem uma linguagem diferente da que usamos hoje e em vários momentos soa engraçado por trazer a tona  coisas que já não existem mais. Confesso que voltei aos 13 anos nas quase duas horas de leitura e ri muito com as tiradas da Emília e os medos dos moradores do Sítio do Pica Pau Amarelo.

São 72 páginas de puro deleite. Pedrinho, mais uma vez em férias, organiza uma caçada para capturar uma onça-pintada que estava ameaçando os moradores do Sítio. A expedição, formada por Narizinho, Emília, Rabicó, Visconde de Sabugosa e o Saci, parte para a mata fechada do Capoeirão dos Tucanos e lá veem de perto vários mitos do folclore brasileiro, como a Porca dos Sete Leitões, a Cuca e o Boitatá. Todos se metem em muita confusão e por lá conhecem um rinoceronte que se refugiara na mata após fugir do circo. Animal pacatíssimo, do qual Emília logo tomou conta dando-lhe o nome de Quindim e depois o levou para morar no Sítio.

Dos 12 aos 14 anos eu li toda a obra de Monteiro Lobato, assisti na TV a primeira versão do Sítio do Pica Pau Amarelo assim como não perdia Vila Sésamo. Fez parte da minha formação. Assim como Pedrinho, aprendi a buscar as respostas para os meus “porquês” e tomar minhas próprias decisões.

Proibir o acesso, censurar, discriminar, vetar, segregar, é muito chato. Na minha mais humilde opinião cada ser humano tem que decidir por si, e quando se trata de cultura, educação, todos os lados da moeda devem ser claros e cada qual que escolha o seu. Crianças não nascem racistas, os conceitos são aprendidos com os pais, se os pais forem racistas os filhos terão uma probabilidade muito grande de também ser, mesmo que nenhum dos dois tenha lido sequer uma linha de Caçadas de Pedrinho.

Cidade do abandono: Atibaia/SP
Local: Itauá Ressort - Louge Recepção
Data: 17/12/2012

domingo, 23 de setembro de 2012

DIÁRIO DE UMA JOVEM - ANNE FRANK


Uma leitura “quase” obrigatória para a minha geração, eu tinha 17 anos quando li pela primeira vez a história de Anne Frank. Assombrosamente haviam-se passado 33 anos da sua primeira edição, e como todos já sabem trata-se do diário que uma garota escreveu dos 13 aos 15 anos.

A família Frank era formada por Otto e Edith, e as filhas Margot e Anne. Viviam na Alemanha quando Hitler assumiu o poder. Temerosos pela sua segurança face a política antissemita fugiram para a Holanda onde durante algum tempo viveram normalmente. Durante a ocupação da Holanda pelos nazistas os Frank não viram alternativa senão fugir novamente. Por falta de outros refúgios resolveram ficar em Amsterdam escondidos na parte abandonada de um prédio de escritórios. Anne tinha então 13 anos.

Reuniu-se aos Frank o casal Van Dann, com seu filho Peter, e mais tarde um dentista chamado Dussel. Os amigos de fora forneciam comida, roupas, livros, e o grupo permaneceu no esconderijo durante dois anos até que a Gestapo os descobriu.

Anne era uma criança que amadureceu numa espécie de porão. Extraordinariamente inteligente, arguta e com uma notável percepção, escrevia um diário com suas observações peculiares, engraçadas e comoventes. Criou um mundo só dela no qual viviam as outras sete pessoas, face a face com a fome, a sempre presente ameaça de descoberta, o sentimento de alheamento ao mundo exterior e, acima de tudo, o tédio. Esse o maior vilão, o deflagrador dos desentendimentos mesquinhos e pequenas crueldades dos seres humanos quando expostos à reclusão e confinamento num espaço tão pequeno e tão cheio de medos.

O interessante de tudo isso é que Anne era uma garota com os anseios iguais às de hoje, guardadas as devidas proporções tecnológicas, e me pergunto como um livro escrito por uma garota de 13 anos, despretensiosamente, elaborado sem a mínima preocupação literária, pode tornar-se uma obra tão requisitada, lida, representada e filmada.

Quantos romancistas, ficcionistas, poetas, não dariam tudo para ter escrito um livro como esse?

Cidade do abandono: Campinas/SP
Local: Sonotel Monrealle - Francisco Glicerio, 1444 - Ap: 47
Data: 17/12/2012

domingo, 16 de setembro de 2012

MAR MORTO


Eu tinha 15 anos quando li Mar Morto pela primeira vez. Tenho até hoje a edição de número 42, surrupiada da biblioteca do colégio Dois de Julho, emprestada pela condescendente bibliotecária que agora me foge o nome. Era obra proibida para menores por ter, segundo os padres que administravam o colégio, linguagem pornográfica. Lia avidamente nos intervalos das aulas um livro secreto com a capa forrada em papel de presente. Na verdade, exceto algumas passagens, digamos, eróticas, o livro é uma aula sobre o candomblé e os costumes do cais do porto da época.

É o quinto livro da extensa obra de Jorge Amado (1912-2001), que usa o romance entre Guma e Lívia como pano de fundo para "as histórias da beira do cais da Bahia", como diz o escritor na primeira frase que abre o livro, histórias dos mestres de saveiro que tem o destino traçado por muitas gerações; o dos homens que saem para o mar e que um dia serão levados por Iemanjá.

As tradições, ou “leis do mar”, ensinadas pelo Seu Francisco ao jovem e destemido sobrinho Guma vão desde o remendo das redes, a lida com as faces da lua e como domar as tormentas em alto mar. Mostra também o poder do candomblé e as crenças nos orixás, a veneração por Iemanjá – a deusa do mar – sentida pelos pescadores de todo o recôncavo.

Na minha humilde opinião é uma obra ímpar, escrita por um Jorge com 24 anos de idade e que vai marcar sua trajetória de consciência política. A inclusão dos personagens da professora Dulce e do médico Rodrigo, não por acaso dois forasteiros, é definitiva para despertar a consciência do povo do cais contra o marasmo e a opressão.

Quando escreveu Mar Morto Jorge Amado era um jovem visionário, politizado e artista. Ainda não tinha a real dimensão da sua obra nem o alcance que ela teria. Neste ano de 2012, se vivo estivesse, Jorge completaria 100 anos. Fica aqui o registro da minha simples homenagem a uma obra extraordinária e infinita.

Cidade do abandono: Rio de Janeiro/RJ
Local: Aeroporto Galeão
Data: 13/11/2012

sábado, 8 de setembro de 2012

FERNÃO CAPELO GAIVOTA


Quando eu era adolescente tinha certeza de tudo, vivia a famosa certeza da juventude; radical, impetuosa, agressiva, quando achamos que já sabemos de tudo sobre tudo e que nossa opinião sobre determinado assunto jamais mudará. Não quero que você, amigo leitor do blog, confunda essa impetuosidade com falta de conformismo. Entre a birra de bater o pé para uma determinada opinião e a quebra de paradigmas para conceitos pré determinados na busca por novas formas de ver e opinar sobre as mesmas coisas, há uma diferença enorme que passa pelo frescor e a vontade de ver sob novos ângulos.

Nessa época, aos 16 anos, no auge da minha impetuosidade e impaciência para o que chamava de “velho”, li a história de Fernão Capelo Gaivota, livro publicado em 1970 por Richard Bach (1936). Confesso que naquele momento não entendi tudo e achei até esquisita a história de uma gaivota despertar nas pessoas tamanha motivação para mudar suas vidas.

O autor usa uma gaivota como personagem principal num texto bem lúdico. Ex-piloto da Força Aérea, Richard Bach pautou praticamente todos os seus livros no ar, desde suas primeiras histórias sobre voar em aeronaves até suas últimas onde o voo é uma complexa metáfora filosófica. Escolheu a gaivota porque, diferente dos outros pássaros, esta não se preocupa apenas em conseguir comida. A gaivota vive também em função da beleza de seu próprio voo, algumas voam alto, outras fazem mergulhos e acrobacias, um tema perfeito para usar como metáfora sobre acreditar nos próprios sonhos e buscar o que se quer, mesmo quando tudo parece conspirar contra. O livro é uma aventura sobre a liberdade e o perdão. Para quem crê nisso Fernão Capelo Gaivota será uma história com sentido. Para quem não acredita será apenas um livro infantil sobre uma gaivota que pensa e vai além dos seus próprios limites.

Até hoje, beirando os 50, releio esse livro vez por outra e ainda encontro ideias e conceitos novos, como se o livro estivesse em plena transformação. Como já aprendi que palavras escritas estão ‘mortas’, as mudanças de conceitos estão no olhar de quem as lê, de acordo com o estado de espírito e forma de encarar a vida.

Cidade do abandono: Rio de Janeiro/RJ
Local: Hotel Windsor Guanabara
Data: 13/11/2012

domingo, 2 de setembro de 2012

O MEU PÉ DE LARANJA LIMA


Recentemente fui até uma grande livraria e sentei para ler algumas orelhas de livros que amigos tinham me indicado e outros que peguei ao acaso. Calhou de haver uma poltrona vazia justamente ao lado da sessão de livros juvenis. A princípio pensei que o barulho fosse me incomodar, mas acabei por esquecer os meus livros e fiquei absorto observando os adolescentes e suas aquisições do dia. Vi de tudo um pouco, da Galinha Pintadinha para os menores variando de Harry Potter à saga dos vampiros para outros, algumas meninas com o horrível ‘100% Justin Bieber’ e o pavoroso ‘100 Dicas Para Conquistar Um Vampiro’, além de um menino com o trash ‘100 Coisas Mais Nojentas do Planeta’. Confesso que adoro listas e fiquei curioso com o conteúdo os dois últimos livros que citei.

Acabei por não comprar nada e no caminho de casa tentei fazer uma retrospectiva sobre o que eu lia quando tinha 12 ou 13 anos. Ao consultar meus arquivos constatei uma agradável surpresa. Isso me deu a ideia para uma nova série: Livros que eu li ainda criança/adolescente.

O primeiro não poderia deixar de ser ‘O Meu Pé de Laranja Lima’ do fabuloso José Mauro de Vasconcelos (1920-1984). A obra foi escrita em 1968 e eu li quando tinha 12 anos por causa de um trabalho escolar. Escrevendo agora esse post tenho a exata memória dos fins de tarde, de banho tomado, aconchegado na “cadeira do papai”, completamente envolvido nas aventuras de Zezé. Assim como Monteiro Lobato, José Mauro tinha a capacidade de nos transportar para mundos fantásticos, mas sem perder a exata noção de realidade.

Zezé vivia numa família grande e como sua mãe trabalhava fora cada filho era responsável por cuidar do irmão menor. Sua mentora era Glória (Godóia) para quem ele refugiava-se sempre que suas traquinagens acabavam em brigas e confusões. Ao mudar de casa em função das dificuldades financeiras cada um pegou para si uma arvore do quintal sobrando para Zezé o pequeno pé de laranja lima. A princípio ele desdenhou da sobra, mas depois passou a considerar o arbusto como seu melhor amigo, para onde corria quando queria desabafar ou amenizar a carência de afeto. Zezé inventa para si um mundo de fantasia em que o grande confidente é "Minguinho" o pé de laranja lima. A vida estava lhe ensinando tudo cedo demais, e Zezé descobre a dor e a saudade, assim como a ternura e o carinho no afeto do solitário português Manuel Valadares, o Portuga, como o menino o chama.

O livro foi adaptado e virou novela na extinta TV Tupi em 1970, depois houve mais duas versões na TV Bandeirantes, em 1980 e 1998, isso sem falar que também em 1970 foi adaptado para o cinema com direção de Aurélio Teixeira. Recentemente li uma declaração do autor que diz:

“Meu pé de laranja lima foi escrito em apenas doze dias. Porém estava dentro de mim há anos, há vinte anos."

Cidade do abandono: Rio de Janeiro/RJ
Local: Aeroporto Galeão
Data: 12/11/2012