quinta-feira, 24 de junho de 2010

UM SOPRO DE VIDA


“Ângela – Estou sofrendo de amor feliz. Só aparentemente é que isso é contraditório. Quando se sente amor, tem-se uma funda ansiedade. É como se eu risse e chorasse ao mesmo tempo. Sem falar no medo que essa felicidade não dure.”

O texto acima está na página 66 do livro Um Sopro de Vida (Pulsações), que foi iniciado em 1974 e só concluído em 1977, às vésperas da morte de sua autora, Clarice Lispector, portanto publicado postumamente. Muitos disseram que esse livro seria o definitivo, ou que foi escrito em momentos de agonia, mas simultaneamente a ele a autora escreveu A Hora da Estrela, seu livro mais famoso cuja publicação se deu com Clarice ainda viva.
Sem querer comparar e já o fazendo, lógico, as densidades dos dois livros são parecidas, A Hora da Estrela é visivelmente anárquico e por vezes debochado, já que temos uma versão para o cinema brilhantemente interpretado pela atriz Marcélia Cartaxo e dirigido pela Susana Amaral. Um Sopro de Vida é também anárquico, literal, e por vezes sucumbe ao que facilmente chamaríamos de depressivo, mas que é, de fato, um livro introspectivo, cheio de labirintos emocionais que nos joga na cara, sem pena, os pensamentos impensáveis.

Para entender o melhor de Clarice Lispector comece lendo Perto do Coração Selvagem (1944), passe por A Paixão Segundo G.H. (1964), siga sua rota com A Hora da Estrela (1977), vá a frente com A Descoberta do Mundo (coletâneas de textos publicados em jornal – póstumo – 1984), volte no tempo e termine com Um Sopro de Vida (1978), verás então que mulher maravilhosa, lúcida e tão a frente do seu tempo era Clarice
Diz a lenda que A Descoberta do Mundo era o livro predileto de Cazuza e não é à toa que um querido e talentoso amigo Roberto Camargo tem uma foto dela na parede da sua casa.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Salvador Shopping - Louge em frente a Etna
Data: 22/08/2010

sábado, 19 de junho de 2010

ANARQUISTAS GRAÇAS A DEUS


Publicado em 1979, foi o primeiro livro de Zélia Gattai (1916-2008), que lhe valeu o Prêmio Paulista de Revelação Literária do mesmo ano. Até então conhecida apenas como a esposa de Jorge Amado, Zélia tinha 63 anos quando começou a escrever suas histórias, a princípio somente lembranças de uma infância e adolescência ricas em acontecimentos, narrando o cotidiano das famílias dos imigrantes italianos daquela época, em São Paulo, na primeira metade do século XX. A vida que decorre, os pequenos incidentes, os grandes eventos, as dificuldades, a luta, os ideais, os sonhos, a indomável coragem de um povo que abandonou seu país para viver numa outra terra, a determinação de seu Ernesto e a paixão pelos automóveis, a convivência diária com os irmãos e sua mãe, dona Angelina, os sábios conselhos da babá Maria Negra, as idas ao cinema, ao circo e à escola, as viagens em grupo, o avanço da cidade e da política. Nestas crônicas familiares, vida e imaginação se embaralham, acompanhando um Brasil que se moderniza sem, contudo, perder a simplicidade no escrever.
É um livro de leitura leve e despretensiosa com flashes da São Paulo antiga e do modo de vida dos imigrantes. Você começa a ler, quando percebe já está na metade e num piscar de olhos o livro acaba. O livro que abandono é de capa dura, fruto da edição impecável do Círculo do Livro, alguém aí sabe se ainda existe o Círculo do Livro? Tô velho!
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Hospital Aliança
Data: 25/07/2010

terça-feira, 15 de junho de 2010

STELLA MANHATTAN


“Stella Manhattan é um romance de aspectos múltiplos. Combina a discussão de idéias com uma narrativa ágil. Vai do símbolo político à dramatização dos costumes sexuais.” É isso que está escrito na contra capa do livro, e eu confesso a vocês, é a mais pura verdade. Quando foi publicado pela primeira vez em 1985, Stella Manhattan foi muito elogiado pelos críticos dos principais jornais e revistas brasileiros na época. Também foi tema de tese de mestrado e doutorado na UFF, PUC Rio, USP e até na Universidade de Pittsburgh, foi traduzido para o inglês e publicado também na França. Ler Stella Manhattan hoje é apreciar uma performance do que aconteceu no Brasil nas décadas de 60/70. O pano de fundo é a cidade de Nova York e o núcleo central é um grupo de exilados brasileiros que se transfere para a ilha de Manhattan a fim de planejar um golpe contra o adido militar sediado no Consulado Brasileiro, que, ligado aos militares responsáveis pelo golpe de 64, mantém uma identidade secreta. Com base nesta trama, que é pura ficção, Silviano constrói um romance, articulando um jogo entre aparência e realidade, entre público e privado, opressão e liberação. Um bom exemplo de literatura brasileira pós golpe.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Sala de Arte - Cinema da UFBA
Data: 24/06/2010

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O DIÁRIO DE UM MAGO


Paulo Coelho é hoje um dos escritores mais lidos no mundo, dizem que um livro seu é vendido a cada duas horas em todo o planeta, será? Balelas à parte, porque a afirmação acima me parece mais release de editora querendo faturar do que informação confirmada, ele carrega uma polêmica desde que se tornou famoso, e muito rico, Paulo Coelho é amo-o ou odeio-o. O interessante é que as pessoas que o amam e lêem todos os seus livros não conseguem justificar esse amor de uma forma consistente, e o mesmo acontece com quem o odeia, já conversei com pessoas que o detestam sem nunca ter lido um só livro de sua autoria. Seria rancor porque ele é um escritor bem sucedido, ou porque escreve sobre magias, bruxarias, demônios, assuntos polêmicos para uma mesa de bar ou um almoço entre amigos.
Mas o fato é que, na minha modestíssima opinião, O Diário de um Mago é um livro interessante, quando o li, e isso foi no início de 1990, Paulo Coelho não era a pessoa pública que é hoje, não tinha entrado para a Academia Brasileira de Letras e também não tinha mostrado sua cara na revista Caras, era apenas um escritor que relatava uma experiência pessoal, cujos embates entre sagrado e profano, magia e realidade, deixavam no leitor uma herança de acontecimentos fantásticos e uma curiosidade sobre o tal caminho. Depois que o livro virou uma febre e o caminho um lugar turístico, onde as pessoas buscam uma “revelação”, conheci muitas que foram fazer a tal caminhada. A mais divulgada na mídia foi a Baby Consuelo, atual Baby do Brasil, que em entrevista jurou ter sido amparada pela atriz Shirley MacLaine com um spray mágico para curar os calos nos pés. Também tenho uma amiga chamada Maria, não vou colocar o sobrenome aqui mas quando ler esse post ela saberá que é ela, que fez o caminho, ou parte dele, e disse para mim que adorou tudo, mas que voltando a Madrid procurou logo um cabeleireiro para se tornar gente outra vez.
Tirei do livro um trecho para encerrar o post, está na página 154 da edição que vou abandonar, que diz: “Da mesma forma, um discípulo nunca pode imitar os passos do seu guia. Porque cada um tem uma maneira de ver a vida, de conviver com as dificuldades e com as conquistas. Ensinar é mostrar que é possível. Aprender é tornar possível para si mesmo.”
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Sala de Arte - Cinema do Museu
Data: 06/06/2010