domingo, 26 de outubro de 2014

O LADO BOM DA VIDA


Sempre que surge um filme baseado em uma obra literária eu o renego até conseguir ler o livro. Esse comportamento pode parecer estranho, mas, como bem o disse Caetano na música Vaca Profana, “De perto ninguém é normal”, exerço meu direito de ser maluco beleza em várias situações. Às vezes me dou bem mal, como foi o caso de O Diabo Veste Prada cujo livro era bem chato e o filme é daqueles que se eu estiver zapeando pelos canais e estiver passando paro tudo e assisto de onde estiver.

Não foi o caso de O Lado Bom da Vida. Primeiro livro de Matthew Quick (1976) quando foi lançado em 2008 rejeitei o título por achar que era mais um exemplar dos livros “modinha” autoajuda, daqueles que nos ensina a dar bom dia ao mundo gritando alto na janela quando acordamos ou entrar naquela seara perigosa de achar que tudo tem um lado bom, e que se por acaso você pega um trânsito caótico e se atrasa para um compromisso é porque seu anjo da guarda intercedeu porque se estivesse no horário certo algo de muito ruim aconteceria.

O livro é uma grata surpresa para quem gosta das comédias românticas literárias, ao contrário do filme, apesar do Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence. Mas tenho de alerta-los de que alguma coisa interessante só vai acontecer depois da página 100. Antes disso o autor da várias voltas com a rotina de Pat Peoples, um ex-professor de 34 anos que acaba de sair de uma instituição psiquiátrica convencido de que passou por lá somente alguns meses, quando na verdade foram anos. Ele tem um bloqueio sobre o que o levou até lá e põe como foco principal de sua vida reconquistar Nikki, sua ex-esposa. Pat é de uma ingenuidade quase infantil, a dificuldade de enfrentar a realidade o torna um viciado em exercícios físicos e é a partir daí que conhece Tiffany, cunhada do seu melhor amigo, que também enfrenta problemas psíquicos com uma forte depressão após perder o marido.

Pat está determinado a reorganizar sua vida porque acredita que ela é um filme produzido por Deus e que ele será o protagonista de um final feliz. Durante toda a leitura Pat me ensinou uma coisa muito importante para os dias de hoje, a pessoa deve educar-se para ‘ser gentil’ ao invés de ‘ter razão’, testei fazê-lo em algumas situações e tenho percebido como podem ser simples os atos de gentileza e quantos problemas podem ser evitados ou minimizados quando você deixa de querer ter razão em tudo.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Lounge da Sala DeLux do Shopping Barra
Data: 20/12/2014

domingo, 19 de outubro de 2014

INCULTA E BELA 2


Quando meu amigo Roberto Camargo escreveu o comentário “Viva a Última Flor do Lácio!” no post anterior confesso que dei gargalhadas sozinho na frente do computador e resolvi alterar o texto deste post que já estava pronto. A alteração é para explicar a origem do título do livro Inculta & Bela sobre o qual falei na semana passada. O Roberto, leitor assíduo, sabe que o título é um fragmento do poema ‘Língua Portuguesa’ de Olavo Bilac, publicado em 1914, no qual o autor declara seu amor incondicional à nossa língua. Segue abaixo um trecho específico que por si só já explica tudo.

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

É óbvio que o autor Pasquale Cipro Neto (1954) publicou o segundo volume em 2001 em função do sucesso alcançado pelo primeiro, publicado em 1999. No Inculta & Bela a coletânea de textos foi garimpada na coluna semanal do jornal Folha de São Paulo no período de novembro de 1997 até dezembro de 1998. Já o Inculta e Bela 2 os textos foram retirados do período de janeiro a dezembro de 1999. O mote é o mesmo e consiste em exemplificar a forma correta, ou culta, como preferem alguns, de lidar com a palavra falada ou escrita sem complicar. O foco é torna-la corriqueira, acessível, sedutora, compreensível e adaptada ao vocabulário diário das ruas.

Confesso que sempre achei o aprendizado da gramática muito chato e só comecei a dar o devido valor às sintaxes e aos verbos irregulares quando me apaixonei pela leitura e, já adolescente, comprava cartões de Natal nas Edições Paulinas e escrevia mensagens de próprio punho para a família e os amigos. Era uma saga que começava em meados de novembro e ia até coloca-los como decoração na árvore.

Neste segundo livro o autor perde um pouco do frescor do primeiro, mas ainda é muito sábio em solucionar dúvidas constantes e frequentes em relação à nossa língua portuguesa. E para isso utiliza-se de textos jornalísticos, letras da MPB, trechos de obras literárias e da publicidade, esses os mais engraçados e divertidos. Uma boa leitura para quem não gosta de acompanhar uma história ou enredo por mais de duzentas páginas. Comece a ler Inculta e Bela e você vai se surpreender, e em vários momentos vai rir de si mesmo, tenha certeza disso.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Mesa de entrada da doceria Doces Sonhos - Shopping Barra
Data: 14/12/2014

domingo, 12 de outubro de 2014

INCULTA & BELA


Quando morava em São Paulo eu era assinante do jornal Folha de São Paulo, a escolha não se deu ao acaso, assinei um jornal diferente a cada três meses e depois disso me decidi pela Folha. Na época embasei minha decisão em alguns motivos: a Revista da Folha que trazia às sextas feiras todos os eventos culturais que aconteceriam na semana, matérias grandes e consistentes sobre cultura em especial o teatro e a literatura, os colunistas Danuza Leão, Érica Palomino, Zé Simão, Barbara Gancia, Pasquale Cipro Neto, só para citar alguns, e a coluna do ombudsman aos domingos, um profissional contratado para criticar o próprio jornal.

Depois descobri que o grupo Folha também tinha uma editora, a Publifolha, e de lá vieram alguns livros bem bacanas que li nos últimos tempos. Um deles é o livro título deste post, Inculta & Bela, uma coletânea de 61 textos que foram publicados na coluna do Pasquale Cipro Neto (1954) que eu lia avidamente a cada semana. A compra do livro me deu a oportunidade de reler e reaprender de maneira muito divertida algumas ‘pegadinhas’ da nossa língua portuguesa.

Em tempos de predominância absoluta das redes sociais, postar fotos e escrever comentários, julgamentos, opiniões, tornou-se mais essencial ao ser humano nesse início de século que o fato de beber água. No blog do Roberto Camargo há um post intitulado “A Vírgula e a Crase”, publicado no dia 5 de agosto de 2014, ele faz um desabafo sobre o uso da correta pontuação. Nas redes sociais há textos escabrosos e volta e meia quando estou lendo o jornal Correio da Bahia, que assino aqui em Salvador, me deparo com absurdos erros de acentuação e escrita. Sou um velho e tenho pequenas paralisias faciais quando isso acontece e sempre me pergunto se eles não têm corretores ortográficos na redação, ou profissionais de revisão.

Inculta & Bela pode ser lido em qualquer ordem e lá aprendi que não se coloca algo ou alguém em ‘cheque’, e sim ‘em xeque’, que você pode passar despercebido ou desapercebido, tanto faz, e que o correto superlativo de magro é macérrimo e não magérrimo, difícil vai ser falar isso numa mesa de bar.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Praça de alimentação Shopping Barra
Data: 14/12/2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A VIDA SEXUAL DA MULHER FEIA


Quando ganhei de presente do meu amigo Eduardo Prata o exemplar desse livro percebi logo de cara que ele o comprou como um deboche. Na época eu estava bem gordo, autoestima baixíssima, e o título ‘A Vida Sexual da Mulher Feia’ além da foto de capa com uma mulher na cama com um travesseiro na cara, só podia ser uma piada... E era. Por causa disso o livro amargou uns bons meses na estante tomando doses diárias de poeira, poluição e umidade, destino de qualquer livro que fique numa estante da cidade de São Paulo sem o devido manuseio.

Por sorte dele, ou minha, num sábado daqueles bem frios que você desiste de sair por pura preguiça de ter que agasalhar-se até a alma, e quando falo em frio é frio mesmo, de quatro ou cinco graus, não esse “frio” que vivo hoje em Salvador que quando a temperatura cai para 220 e as pessoas se entocam em casa como se fossem feitas de papel crepom capazes de se desfazer caso um único chuvisco às peguem desprevenidas. Pois bem, estava procurando algo para ler e me deparei com o único exemplar de livro que ainda “virgem”. Comecei lendo a orelha escrita por Marcelo Pires, composta por seis parágrafos só de elogios, mas pensei... Quem é Marcelo Pires? Na outra orelha deveria ter uma biografia da autora, Claudia Tajes, mas eram apenas onze linhas, informando que ela é uma escritora gaúcha, nascida em 1963, publicitária e que estreou na literatura em 2000 com o livro ‘Dez Quase Amores’. Como tenho vários amigos gaúchos de quem gosto muito e também nasci em 1963 pensei com meus botões e falei para o livro... Hoje é o seu dia de sorte. Abri a primeira página e dei de cara com o primeiro parágrafo:

“Eu sou aquela que, quando cruza a sala a caminho da xerox ou levanta para pegar café na garrafa térmica, ouve dois colegas do escritório falando em voz supostamente baixa: Entre a Ju e a morte, quem você escolheria?”

Consumi as 132 páginas do livro até o anoitecer. Dividido em cinco sessões intituladas: Apresentação, As teses da mulher feia, O amadurecimento da mulher feia, Breve histórico dos amores da mulher feia e a Conclusão, conheci a personagem de nome Jucianara na certidão, ou Ju para os mais amigos, e toda vez que ela perguntava à mãe qual o motivo do nome esta repetia a mesma frase: “- Não poderia haver nome que combinasse mais com você.”

 Confesso que meu lado malvado até deu umas risadas com as desventuras da nossa heroína. Mas o que era para ser engraçado vibrava em mim de um jeito diferente, como se a autora quisesse arrancar o riso pela miséria alheia e em vários pontos senti pena e até um pouco de remorso por ler a história. No último momento, a Conclusão, que é feito de depoimentos e segundo a autora todos reais enviados através do seu programa de rádio, desmistifica a solidão como uma praga somente de mulheres feias, também para as bonitas a solidão muitas vezes é a melhor escolha.

Você vai ter que ler para saber.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Praça do Campo Grande
Data: 13/12/2014