sábado, 29 de dezembro de 2012

LEITE DERRAMADO


Não é novidade que o cantor/compositor Chico Buarque (1944) escreva livros, desde 1974 lançou-se como escritor com Fazenda Modelo. De lá pra cá Chico amadureceu o viés literário e vieram obras como Estorvo, 1991, Benjamim, 1995, e o excelente Budapeste, 2003. Sua obra musical é inquestionável e recentemente ele mesmo surpreendeu-se em saber que mesmo sendo inquestionável não agrada a cem por cento das pessoas.

Em 2009 Chico lançou Leite Derramado e vários críticos e blogueiros questionaram o livro como uma obra ‘menor’. Algumas críticas foram contundentes, outras buscaram valorizar sua música em detrimento da literatura, e várias me fizeram até rir, como a que achava absurdo um livro contar uma saga familiar em apenas 195 páginas. O crítico acha que o autor tem uma história rasa por causa da quantidade de páginas que o livro possui.

Eulálio conta sua história num leito de hospital, é um velho moribundo, fala para quem quiser ouvir e conta em um tom que pode ser realístico, de delírio ou sonho a história de sua família, ou linhagem com ele mesmo se expressa. Desde os ancestrais portugueses, passando pelo tempo do império, a primeira república, até chegar ao tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual. Tudo para demonstrar a derrocada social e econômica em que vive aproveitando-se da história do Brasil dos últimos dois séculos como pano de fundo.

Talvez o que mais estranhem os críticos seja mesmo a linguagem que Chico impõe. Na minha mais humilde opinião o livro é como um vídeo clip, um filme, um curta metragem. Que se lê rápido e sente saudade, sente curiosidade para saber o que mais aconteceu, mais detalhes dos fatos, mais histórias. Foi assim comigo.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Supermercado Bompreço - Centenário
Data: 23/02/2013

domingo, 23 de dezembro de 2012

O LIVRO DO BONI


Quando a editora Casa da Palavra finalmente lançou em 2011 ‘O Livro do Boni’, e essa notável figura chamada José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (1935) percorreu todos os programas televisivos de entrevistas, falou com jornais de todo o Brasil, viajou por muitas capitais para tardes/noites de autógrafos e o livro sumiu das livrarias em virtude da grande procura, eu fiz cara feia e até achei, na minha total ignorância, que não valia apena tanto estardalhaço.

Entretanto, por uma feliz intervenção do destino, acabei por ganhar de presente um exemplar no Natal daquele mesmo ano. Tenho um pacto com minha tia Liane, que é também minha madrinha de batismo e emprestadora oficial de livros desde priscas eras, de só presentear livros um ao outro seja no aniversário, Natal ou a qualquer tempo por um simples gesto de carinho. Numa das muitas viagens que fiz esse ano levei o livro comigo por dois motivos: primeiro porque era grosso e eu morro de medo de terminar um livro em pleno voou, e segundo porque os capítulos são curtos e eu gosto de obedecer ao critério do autor e não faço paradas abruptas na leitura de um capítulo.

A essa altura eu já tinha vencido o mau humor inicial do excesso de mídia sobre a obra e pude, sem preconceitos, deliciar-me com uma história real contada com muito humor, sobre uma personalidade tão rica, profissional e inteligente. O menino precoce que se apaixonou pelo rádio, descobre seu dom para a publicidade e esta o leva naturalmente para a televisão numa época em que tudo era novo e experimental, nada mais desafiador para a personalidade do biografado.

Com o passar das páginas percebi que o Boni fez parte da minha vida, e de maneira muito significativa para o bom e para o discernimento de dizer “não gostei”. Chacrinha, Dercy, Janete Clair, os festivais da canção, Regina e Couco, Tarcísio e Glória, Chico Anysio, Jô Soares, as novelas, as minisséries, Glória Pires, Fagundes, Tony, Malu, o plim plim e até a Globeleza. Pode chutar o balde quem não passou por isso...

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Perini Barra
Data: 13/02/2013

sábado, 15 de dezembro de 2012

O CANTO DA SEREIA


Nelson Motta (1944) todos conhecem, jornalista, compositor, produtor musical e artístico, escreveu alguns livros, aqui mesmo já registrei uma obra sua sobre a vida do Tim Maia, mas há também Nova York é Aqui, Confissões de um Torcedor e o excelente Noites Tropicais. Agora aventura-se a escrever ficção e seu livro de estreia é O Canto da Sereia – Um Noir Baiano. Nelson é aficionado por música, arte e costumaz devorador de livros policiais, então sua primeira obra de ficção não poderia deixar de ser sobre esse universo, e para apimentar mais a história tudo se passa em Salvador no último dia de carnaval.

Tudo gira em torno do assassinato de Sereia, uma jovem rica, loira, estrela do axé, mulher exuberante e cobiçada. Sereia leva um tiro enquanto cantava em cima de um trio elétrico em plena avenida numa terça feira gorda de carnaval e a partir daí surge Agostinho Matoso, mais conhecido como Augustão, com toda sua baianidade aflorada para desvendar o mistério. Ele não poupa ninguém, os produtores de Sereia, a empresária, o chefe político local e até a mãe de santo mais poderosa da Bahia, todos serão alvo de investigação e terão suas vidas vasculhadas pelo detetive, capaz de cometer algumas irresponsabilidades para atingir seus objetivos já que não vive sem sexo, camisas floridas, aquela cerveja gelada, Miles Davis, Jorge Bem Jor, ensaios do Olodum e um baseado para ajudar a matutar e decifrar o crime que paralisou o Brasil.

Os direitos dessa obra foram vendidos para a Globo e em janeiro teremos uma micro série adaptada do livro para a tela da TV, portanto o tempo urge para a leitura desse romance policial engraçado com ares de final de novela quando todos se perguntam: Quem matou?

É um livro divertido, leitura descompromissada ideal para essa época de verão, praia, férias. Puro entretenimento.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Camarote Daniela Mercury
Data: 10/02/2013

domingo, 9 de dezembro de 2012

A CASA DOS BUDAS DITOSOS



Quando assisti ao espetáculo A Casa do Budas Ditosos, com a brilhante atuação da Fernanda Torres, além de me surpreender com a desenvoltura da atriz que controlava uma plateia de quase mil pessoas sozinha no palco, descobri lendo o programa da peça que o texto recheado de sexo e sarcasmo era do João Ubaldo Ribeiro (1941) e faz parte de uma série sobre os sete pecados capitais intitulada ‘Plenos Pecados’ capitaneada pela editora Objetiva que reuniu vários nomes da literatura brasileira e deu-lhes um “pecado” como tema para desenvolver uma obra.

Ficou óbvio para mim após assistir a peça que o texto de A Casa dos Budas Ditosos representava a luxuria. O livro revela a história de CLB, iniciais do nome de uma hoje senhora de 68 anos nascida da Bahia, mas residente no Rio de Janeiro, que viveu todos os prazeres, fantasias e infinitas possibilidades do sexo sem qualquer julgamento, moralidade ou resquícios de culpa. É um relato em forma de memórias de uma mulher intensa, livre e vivida. No teatro há momentos em que se pode ver a plateia corada, com gargalhadas estridentes e por várias vezes com o riso envergonhado, enrubescido. Sexo é assunto bom, rende conversa, mas também é tabu, não se confessa assim tão abertamente tudo que se faz. Ao ler em casa, solitariamente, você exercita desejos inconfessáveis da sua libido, mas também se pergunta como é possível tamanha liberdade sem nenhuma culpa, e que preço há de se pagar por tanto prazer.

O próprio João Ubaldo abre o livro informando aos leitores que recebeu os originais do texto num envelope entregue na portaria do seu prédio autorizando-o a publicar como se fosse seu, e assim o assina como um corretor e organizador da transcrição recebida isentando-se da culpa por escrever tamanha libertinagem e deixando o leitor sem nunca saber se o relato dessa senhora é verídico ou tudo não passa de uma brincadeira do autor.

É um livro curto, 163 páginas com letras grandes, ótimo para começar uma brincadeira com um grupo de amigos, ou ficantes, mais liberais. Cada um lê um capítulo dando a interpretação que quiser, aposto minha biblioteca inteira que o clima vai esquentar.

Para quem quiser ler os outros da série aqui vai:
O Vôo da Rainha – Soberba – Tomás Eloy Martínez
O Clube dos Anjos – Gula – Luis Fernando Verissimo
Xadez, Truco e Outras Guerras – Ira – José Roberto Torero
Mal Secreto – Inveja – Zuenir Ventura
Canoas e Marolas – Preguiça – João Gilberto Noll
Terapia – Avareza – Ariel Dorfman

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Restaurante Porto do Mar
Data: 09/02/2013

sábado, 1 de dezembro de 2012

AS ESGANADAS


Faz muito tempo, muito tempo mesmo, o ano era 1985 e eu lia pela primeira vez um livro de contos piadistas escrito pelo então ator da Globo Jô Soares (1938). O livro era despretensioso e chamava-se ‘O Astronauta sem Regime’, uma galhofa do autor com o seu próprio peso. A editora L&PM faturou muito com a obra que vendeu mais que banana na feira.

Passados 27 anos Jô Soares saiu e voltou para a Globo, aparece como ator em breves e raras oportunidades, possui um talk show de sucesso e já escreveu sete livros, cinco deles em carreira solo. Na minha mais humilde opinião acho que o Jô tem uma carreira irregular como escritor, os livros alternam-se entre ótimos, bons e ruins.

Sua mais recente obra, As Esganadas, que pretendo abandonar, segue a mesma linha editorial que o autor consegue fazer muito bem, livros policialescos que misturam fatos da história real com a fictícia inventividade do autor. Nesse livro Jô consegue a proeza de revelar o assassino logo nos primeiros capítulos, inclusive suas motivações psicológicas, ou psicanalíticas como preferem alguns, sem que isso nos faça perder o interesse pela leitura. A descrição primorosa das vítimas nos faz cúmplices, as trapalhadas da polícia nos faz rir, e por fim vibrar com as deduções de Tobias Esteves, inspetor português que ajuda o delegado Noronha a desmascarar o autor dos crimes.

O prefácio escrito por Luis Fernando Veríssimo nos dá uma excelente dica: “Jô é um grande fazedor de tipos. Sabe como poucos construir um personagem, defini-lo com um detalhe e dar-lhe vida com graça e inteligência... Toda a ficção do Jô é feita de grandes personagens envolvidos em grandes tramas.”

Eu concordo... Mas só de vez em quando.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Restaurante Shiro
Data: 03/02/2013