domingo, 30 de novembro de 2014

DROPS DE ABRIL


Ao fazer uma pesquisa no Google sobre o Paulo Leminski para escrever o post da semana passada me deparei com uma frase atribuída a ele sobre outro poeta, Ricardo de Carvalho Duarte (1951), ou como muitos o conhecem desde os quinze anos de idade, Chacal. A fase atribuída ao Leminski dizia: “A palavra lúdico é a chave para a poesia de Chacal.”

Isso ficou martelando na minha cabeça por dois dias e então numa quarta feira de folga noturna, sim, folga noturna, eu trabalho nos três turnos, fui até a estante e achei um livro bem bacana desse poeta e mergulhei na sua obra para saber se o Leminski tinha razão. Até hoje não sei se foi ele quem proferiu tal frase já que a internet é que nem papel em branco e aceita qualquer coisa sem reclamar. Mas uma coisa eu posso lhe garantir caro leitor, a palavra lúdico é realmente a chave para entender a mente desse autor.

Na apresentação do livro feita pelo próprio autor tem uma justificativa para o título que diz: “Esse drops é um voo de reconhecimento da minha gíria de poeta. Anos 70. Nacos de 80. São relatos de minha trip pelo planeta. Onda. Ele podia se chamar ‘Sexo, drogas e rock and roll’, santíssima trindade da rapaziada nesses redemoinhos urbanos. Ou então ‘Xadrez Chinês’, artifícios da palavra no tabuleiro de papel. Mas ficou mesmo ‘Drops de Abril’, pelo que tem de ácido e mel.” Na minha mais humilde opinião isso resume tudo e nas próximas 104 páginas eu tive essa sensação do ácido no sentido do sarcástico, do acido no sentido lisérgico, e provei do mel no seu lado lúdico de ser.

Sinta o poema abaixo.

Rápido e rasteiro

vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar
aí eu paro, tiro o sapato
e danço o resto da vida.

Acho que o mundo está precisando de mais poesia.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Farol da Barra
Data: 03/01/2015

domingo, 23 de novembro de 2014

CAPRICHOS & RELAXOS


Ando meio sem tempo para ler. A frase anterior me doeu muito para escrever e quando pensei nisso outro dia fiquei ainda mais dolorido, uma dor veio do coração e não sei se era dor física ou aquela dor na alma. A constatação que fiz é fruto do excesso de trabalhos nas mais diversas vertentes que ando me propondo a fazer. Recentemente coloquei na mochila livros de poesia, já que posso ler em pequenas pílulas sem perder o enredo caso seja interrompido.

E foi justamente por isso que joguei mochila adentro um livro publicado ano passado com a obra de Paulo Leminski (1944-1999) e venho me deliciando com seu bom humor, sua requintada e intrincada verte linguística para construir versos que parecem palavras soltas, mas que não o são.

Daí querer abandonar um livro bem bacana chamado Caprichos & Relaxos que li pela primeira vez em maio de 1986 nas várias formas recomendadas pelo autor. A decisão é sua sobre a forma de ler o livro, assim com a ordem da leitura. Ele nos diz:

“Aqui, poemas para lerem, em silêncio, o olho, o coração e a inteligência. Poemas para dizer, em voz alta. E poemas, letras, lyrics, para cantar. Quais, quais, é com você, parceiro.”

E se você tem mais de quarenta anos e pensa: “Nunca li nada desse cara” te digo que se não leu, ouviu, e muito, poemas maravilhosos desse curitibano faixa preta de judô. A começar pela música ‘Verdura’ gravada por Caetano Veloso no LP Outras Palavras, você provavelmente cantou em altos brados ‘Mudança de Estação’ junto com o grupo A Cor do Som, e ouviu até enjoar a música ‘Promessas Demais’ na voz de Ney Matogrosso durante a exibição da novela Paraíso da Rede Globo, e por aí vai.

Paulo Leminiski, ou só Leminski como preferia ser chamado, tem uma obra incrível. Comece agora, leia um poema dele e enriqueça o seu dia.

Contranarciso

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Farol da Barra
Data: 02/01/2015

domingo, 16 de novembro de 2014

A CASA DE BERNARDA ALBA


Todo mundo sabe, ou pelo menos aqueles que convivem comigo, do meu apreço pelo teatro. Desde garoto quando meu pai nos levava ao cinema nos domingos pela manhã para assistir ao Festival Tom e Jerry, e esses momentos eram raros, eu ficava fascinado com aquela sala escura e a ‘tela de televisão’ tão grande. Mais tarde essa tarefa de me levar ao cinema foi entregue ao meu avô José Arlindo, homem rústico que morava no interior, mas deleitava-se com a sétima arte sempre que passava uns dias na capital baiana.

O teatro eu descobri participando das apresentações de fim de ano na escola N. S. do Carmo da queridíssima diretora Olga Mettig, onde estudei até a terceira série. Mas só bem mais tarde eu fui fisgado definitivamente por esse ambiente escuro, parecido com o cinema, mas onde as coisas acontecem ao vivo. Não sou ator, longe disso, mas me considero um “rato de teatro” porque estou sempre ligado a ele de alguma forma, seja lendo e assistindo, me considero um leitor expectador.

Estava ontem à tarde passando os olhos pela minha estante de dei de cara com o exemplar da coleção Biblioteca de Ouro, e o texto era A Casa de Bernarda Alba. Frederico Garcia Lorca (1898-1936) foi um grande poeta e dramaturgo, a Casa de Bernarda Alba é o terceiro texto do que chamam de trilogia que começa com Bodas de Sangue e depois segue com Yerma. Tive a sorte de assistir montagens baianas dos três textos, mas A Casa tem algo especial porque foi encenada dentro da capela que fica no Solar do Unhão, era a primeira vez que eu assistia a uma peça de teatro fora do teatro.

A personagem central é uma matriarca tirana e dominadora que mantem as cinco filhas: Angústias, Madalena, Martírio, Amélia e Adela sob uma vigilância implacável. Com a morte do seu segundo marido Bernarda decreta luto fechado para ela e as filhas por oito anos, isso significava reclusão total com janelas e portas lacradas. Durante o luto uma disputa cruel e perigosa se estabelece entre a filha mais velha, a filha do meio e a mais nova, todas estão apaixonadas pelo mesmo homem, o galanteador das redondezas chamado Pepe Romano. Assim como nos outros textos da trilogia uma consequência trágica se abaterá por causa desse amor tão disputado.

Há quem diga que Frederico inspirou-se em uma história real para compor os personagens e o desfecho da peça, mas são especulações, jamais saberemos a verdade. Só nos resta ler e deliciar-se com a sua obra.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Pereira Café - Shopping Barra
Data: 27/12/2014

domingo, 9 de novembro de 2014

A MORTE DO GOURMET


Da mesma autora eu li A Elegância do Ouriço, um dos meus livros prediletos de 2014. A Morte do Gourmet foi escrito oito antes. O mais interessante de ler a obra de um autor, no caso Muriel Barbery (1969), de forma reversa é descobrir que alguma coisa no livro mais recente já estava presente no livro anterior, só que com mais brilho. A Elegância do Ouriço é um livro melhor, na minha mais humilde opinião estará sempre nas listas de livros para ler antes de morrer. Entretanto A Morte do Gourmet funciona como um trampolim para uma ousada narrativa e o start para um estilo único e próprio da autora.

Em seu leito de morte o grande crítico gastronômico Pierre Arthens está obcecado em não partir sem antes lembrar-se de um determinado sabor, aquele sabor que o enfeitiçara para ser o que é hoje. Com esse mote a autora irá nos conduzir pelas lembranças do moribundo desde sua infância quando as artes culinárias da avó despertaram seu paladar. Começando pelos suculentos tomates colhidos na horta da casa de sua tia, daí vamos para o pãozinho crocante, a maionese caseira, a descoberta da comida japonesa, uma simples sardinha frita, o rasgar do primeiro gole do uísque, o inesquecível sobet de laranja, o aveludado erótico que envolve a deglutição de uma ostra. São capítulos que nos fazem salivar.

Mas há do lado de fora do quarto onde Pierre agoniza vozes dissonantes. Sua vida pessoal não é um mar de rosas e a autora enxerta entre um devaneio culinário e outro os depoimentos da esposa, filhos, amantes, discípulos, empregados que cercam, ou cercaram, a vida quase egoísta desse homem que tudo sacrificou pelos prazeres da boa mesa. Alguns sentirão sua falta e outros estão torcendo para que se vá o mais rápido possível.

Ao terminar o livro fiquei com a mesma sensação do personagem principal: qual o sabor da minha infância que gostaria de reviver? E aí me deixei inundar por uma enxurrada de lembranças, desde o sapoti colhido na árvore centenária do quintal de minha avó, do bolo que minha mãe fazia com uma cobertura de brigadeiro tão espessa que meu pai chamava de ‘bolo asfalto’, da sopa de feijão de Jana nossa empregada na infância, da salada de camarão com manga que tia Liane faz em ocasiões especiais, do beiju com manteiga e açúcar que minha avó fazia quando chegávamos em São Gonçalo, e por aí vai.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Amor aos Pedaços - Salvador Shopping
Data: 21/12/2014

domingo, 2 de novembro de 2014

O MENINO MALUQUINHO


Na semana passada fui ao teatro. Aqueles que me conhecem pessoalmente devem estar dizendo: grande novidade! E é mesmo em se tratando de teatro infantil. Como não tenho filhos e meus sobrinhos estão crescidos demais para isso, fico aguardando a oportunidade de levar meus sobrinhos netos para desfrutar desse encantamento. O teatro infantil é encantamento.  Só trabalhei com crianças uma única vez nos anos 1990 na peça Potato Pum cujo texto de Aninha Franco contava a história de uma batata inconformada por estar na feira, ela queria ser chique e desfrutar do ar condicionado das gondolas dos supermercados e da companhia de rabanetes e aspargos. Quem interpretava a batata era a atriz Cristiane Mendonça, eu a conhecia pouco, mas em questão de dias nos tornamos amigos de infância.

A peça que assisti na semana passada chama-se O Circo de Só Ler e conta a história de um garoto viciado em joguinhos eletrônicos, mas que não sabe ler. Até a chegada do circo e seus personagens atrapalhados que, não só o alfabetiza, mas lhe ensina o quanto o livro é capaz de ampliar horizontes através da imaginação. Outra vez Cristiane Mendonça surpreende e cativa a atenção dos meninos e meninas hiperativos da plateia interpretando o Livro Encantado que conduzirá o menino a mundo inimagináveis.

Num certo momento há uma música que fala sobre dar livros de presente e o quanto é bom receber livros, uma pilha deles chega até às mãos do ator mirim e percebi que entre eles está uma edição em capa dura de O Menino Maluquinho, um livro maravilhoso escrito pelo genial Ziraldo (1932). Confesso a vocês que me emocionei e peço perdão se soar “bufão” demais, mas parecia que eu já tinha vivido aquela cena.

O livro, que já foi adaptado para o teatro, cinema, quadrinhos e série de TV, foi escrito em 1980. Eu já era grandinho quando o li pela primeira vez. Estava na sala de espera da clínica odontológica aguardando para ser atendido quando fucei uma pilha de revistas e lá estava ele no meio de outros livros para crianças. Fiquei enternecido com aquele personagem tão travesso, que aprontava mil e uma confusões, era a alegria da casa e liderava as brincadeiras com os amigos. Era nota dez nas matérias e sempre ganhava um zero no quesito comportamento. Com sua panela na cabeça desbravava o mundo e por isso era chamado de Menino Maluquinho. Depois de ler a última página fechei o livro e pensei – esse garoto não tem nada de maluquinho, é somente um menino feliz.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Foyer do Teatro Castro Alves
Data: 21/12/2014