domingo, 26 de junho de 2016

MENSAGEM


Quando comecei a folhear o livro que pretendo abandonar fui tomado por um saudosismo que nem sabia que existia dentro de mim. Senti uma saudade imensa de São Paulo, cidade que morei por treze anos e onde fui muito feliz, mas também muito infeliz. São Paulo tem esse efeito dubio em mim. A felicidade em ter por perto todos os teatros, cinemas, mostras de filmes que não entram em circuito normal, galerias, museus, exposições que não viajam para outras cidades, livrarias, sebos e bancas de revistas com publicações do mundo inteiro. A infelicidade estava no fato de ter tudo isso à mão e usufruir muito pouco porque trabalhava de forma insana às vezes quinze horas por dia. Ao tocar o livro lembrei exatamente do dia e local onde comprei, e também o quanto foi difícil sua leitura.

Mensagem foi editado pela primeira vez em 1934 e seu autor, Fernando Pessoa (1888-1935), faleceu nove meses depois da publicação. Consta que é sua única obra escrita em português e também a que mais enaltece Portugal. Dividida em três partes, Brasão, a primeira, é subdividida em: Os Campos, Os Castelos, As Quintas, A Coroa e O Timbre. Depois vem a segunda parte chamada de Mar Português, a que mais gosto, e por fim O Encoberto, que também possui subdivisões cujos títulos são: Os Símbolos, Os Avisos e Os Tempos. Não é uma obra de fácil leitura, eu precisei consultar um dicionário luso-brasileiro em determinados momentos para entender alguns simbolismos da história de Lisboa e o que chamam de Sebastianismo.

Mas, se quiser um conselho, não leia tudo com a intenção de entender as palavras ao pé da letra. Deixe embriagar-se pela métrica e fluidez de Fernando Pessoa, se entregue ao som das palavras e deixe que elas cheguem ao seu coração, mantenha-se alerta e com a mente aberta para descobrir as riquezas dos versos simples e leve-os consigo para a vida.

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
(Mar Português)

Tenho que dar dois créditos antes de terminar o post, o primeiro vai para Jane Tutikian (1952) responsável pela organização e introdução feita de forma primorosa nessa edição. O segundo vai para a editora L&PM responsável pela democratização dos clássicos literários impressos em formato poket e vendidos a preços módicos nas bancas de revistas. Comprei o exemplar que vou abandonar na banca que fica na Av. Paulista, em frente ao Conjunto Nacional.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
(O Infante)

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Estacionamento Shopping Barra - Mezanino G1
Data: 12/07/2016

domingo, 19 de junho de 2016

NÓS


No mesmo dia que comprei o já best seller Um Dia, escrito em 2009 pelo David Nicholls (1966), também comprei sua mais recente obra ‘Nós’, publicada no Brasil em 2015. Nos dois livros existe a perfeita construção de personagens que se caracterizam pelo realismo, bom humor, uma dose de criticidade de suas próprias atitudes e a humanidade. Você é capaz de amar e odiar os personagens com a mesma intensidade durante a leitura sem, contudo, enfastiar-se. E foi por aí que novamente fui conquistado.

No primeiro livro, Um Dia, já comentado aqui no blog em setembro de 2015, os personagens Em e Dex descrevem seus sentimentos e pensamentos para com o outro e ainda temos um narrador para as notas de bastidores. Em Nós, a versão da história é narrada sob o ponto de vista do personagem Douglas Petersen, um bioquímico de cinquenta e quatro anos, metódico, tímido, fatalista, extremamente organizado e casado com Connie há vinte e cinco anos. Ela é uma mulher vivida, gosta de arte, festas, muitos amigos, e vê em Douglas um porto seguro após relacionamentos anteriores muito conturbados. Ele é o feijão e ela é o sonho, uma inversão de papéis se compararmos ao livro de Origenes Lessa. Entre o casal está Albie, o filho de dezessete anos que cresceu entre a mãe artista que tudo permitia em nome da liberdade de expressão infanto-juvenil e o pai rigoroso que não encontrava no filho o seu espelho, seja nos gostos pelos mesmos brinquedos, profissão ou perspectiva de vida.

Antes de Albie ir para a faculdade a família programa as férias de suas vidas, um tour pela Europa que inclui cidades como Paris, Amsterdã, Veneza, dentre outras, para visitar os principais museus e obras de arte. Um roteiro traçado pela artista Connie e minuciosamente programado pelo metódico Douglas sem consultar os gostos estéticos da nova geração, Albie. Às vésperas da viagem Connie acorda Douglas no meio da noite para informa-lo que está pensando em divorciar-se dele. A partir desse momento seremos levados pela narrativa de Douglas para diversos tempos de suas vidas: quando conheceu Connie, quando casaram, o nascimento de Albie, suas vidas se transformando, tudo isso contado durante a epopeia de pequenos desastres, brigas, frustrações, pedidos de desculpas, momentos de comédia pastelão e reencontros que se transformará a viagem, ou grand tour como se refere Douglas.

David Nicholls constrói seu herói, ou anti-herói, com mãos de ferro. Quando o personagem tenta manipular a história para puxar o leitor para seu lado, o autor o faz contar coisas não muito boas do seu passado familiar, fazendo a balança pender para um lado e para o outro. Alguns leitores acham suas histórias arrastadas e com pouca ação, eu particularmente gosto do estilo que humaniza os personagens até que você comece a identificar-se com eles, no bom e no mau sentido.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Mesa da varanda - Restaurante Rama
Data: 11/07/2016

domingo, 12 de junho de 2016

TRÓPICO DE CÂNCER


Quando li Trópico de Câncer eu já era um velho, o livro havia sido publicado há mais de cinquenta anos e o autor, Henry Miller (1891-1990), já estava morto. Por isso eu não sofri quando a obra foi proibida nos EUA, sob a acusação de ser pornográfica, voltando a circular só em meados dos anos 1960. Aqui no Brasil também houve veto dos militares para tradução e venda, embora existam boatos de que livros em inglês circulavam contrabandeados entre os intelectuais da época. A chancela dos censores para a proibição estava no pressuposto de que a obra era autobiográfica, mesmo que o autor nunca tenha assumido isso por completo. Para eles a literatura erótica podia existir desde que tudo fosse ficção.

Autobiográfico ou não o certo é que Herry Miller sempre misturou sua vida pessoal com os livros que escreveu e quem o conheceu em Paris nos anos 30 sabia que as noites eram animadas. Lendo a obra temos uma narrativa ansiosa por revelar por quais recônditos andava o nosso autor. Sem necessidade de cronologia essa pressa narrativa é explorada em textos na primeira pessoa extraídos das experiências vividas nas camas onde dormiu com prostitutas ou senhoras solitárias, das bebedeiras em lugares não recomendados pela sociedade, mas seu viés filosófico vem principalmente da convivência com os intelectuais e artistas que, como ele, viviam sem dinheiro e a mercê de favores.

Logo no início o próprio autor nos alerta sobre o que vamos ler: “Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto. Uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza... e do que mais quiserem.”

Na minha mais modesta opinião Trópico de Câncer é um livro erótico. E vai além do erotismo quando prepara o leitor para o próximo, Trópico de Capricórnio, que também li depois de velho e é o meu preferido.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Banco da pracinha em frente ao Teatro ISBA
Data: 10/07/2016

domingo, 5 de junho de 2016

O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO


Praticamente toda a minha geração leu O Apanhador no Campo de Centeio, único sucesso literário de J. D. Salinger (1919-2010) e figurinha fácil em várias listas de livros para ler antes de morrer. A obra tornou-se um ícone adolescente a partir dos anos 60 do século passado por tratar de temas como angústia, alienação, sensação de pertencimento do jovem, tudo embalado com uma linguagem típica da época, gírias e palavrões, demonstrando a rebeldia do anti-herói. Em 1951 não havia uma literatura voltada para a faixa entre 15 e 18 anos como nos dias de hoje e talvez por isso a obra foi tão discutida e abraçada.

No site da editora existe a informação que o livro foi traduzido para as principais línguas do mundo e ainda hoje vende cerca de 250 mil exemplares por ano, atingindo estratosféricos 65 milhões de cópias desde seu lançamento. Uma curiosidade sobre seu autor, J. D. Salinger, é que ele se recolheu após o sucesso do livro e viveu recluso até sua morte com raríssimas aparições para a imprensa. Chegou a publicar outros livros considerados pela crítica especializada como ‘sem relevância’.

A primeira vez que fiz a leitura eu tinha a mesma idade do protagonista do livro e passava pela minha fase adolescente rebelde. Acredito que exatamente por isso achei o livro parado demais e quase abandonei a leitura. A história de Holden Caulfield acontece num fim de semana e começa após ele saber que, devido às suas notas e ao seu mau comportamento, seria expulso no dia seguinte do prestigiado Colégio Pencey. Uma briga com seu colega de quarto é o estopim para uma peregrinação por Nova York que o levará ao encontro de Sunny, a prostituta, Sally Hayes, a ex-namorada, Phoebe, sua irmã mais nova, e o Professor Antolini. Apesar de conter passagens interessantes como a história do museu e o sonho do apanhador de crianças, eu achei o livro chatíssimo.

Posteriormente, aos vinte e quatro anos, reli a obra em outro contexto da minha vida e percebi que na primeira leitura faltou maturidade para entender as entrelinhas e o processo de transformação física e psíquica que passava pela cabeça do Holden. A narração na primeira pessoa é o ponto de partida para entender que pouco importa a ação do livro, o sentido está no que o personagem pensa. Todas as metáforas nos levam a perceber sua dificuldade em crescer, sair da infância e passar a ser adulto. Esse hiato é uma fase difícil até hoje, largar o infantil é perder a inocência das coisas e talvez o sonho do apanhador seja exatamente não deixar as crianças caírem no precipício, mantê-las num mundo perfeito em que brincar é a principal tarefa. Até hoje a obra é passível de críticas veementes e elogios eloquentes, eu passei pelas duas fases. Agora tente você.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Banco da praça em frente à igreja do Sr. do Bomfim
Data: 10/07/2016