domingo, 23 de janeiro de 2011

O QUARTO FECHADO


“O leitor que pega esse livro não o largará antes do final”, assim prometia o release da Editora Nova Fronteira ao lançar em 1984 'O Quarto Fechado', sétimo livro publicado de Lya Luft (1938). Mas uma coisa eu posso opinar, tem que ter perseverança para ler estes escritos. Lya não é uma escritora “fácil” e, O Quarto Fechado, não é o tipo de livro que se lê na praça de alimentação de um shopping durante o almoço. Este livro exigirá dedicação, tempo e maturidade para absorver o que se lê.
A trama mostra um casal separado que se reencontra ao lado do caixão de seu filho morto, cada um vai rever a sua vida e o que os conduziu a aquela trágica situação. Lya Luft aborda novamente um tema recorrente em sua literatura: as relações humanas, sobretudo familiares, e mais especificamente a morte, um dos temas mais questionados pelo homem e pouco explorado pelos escritores. Neste livro ela se torna personagem central, tema do qual não se pode fugir, porém todos procuram negar, e é tratada de maneira densa, misteriosa e por vezes poética. O leitor assiste em flashback o sofrimento de um adolescente suicida e sua irmã gêmea, um ser repulsivo trancado num quarto, e outros personagens que retratam as inquietudes do ser humano. Loucura, amores frustrados, fatalidade, segredos, omissão, culpa, ternura, desencontros e delicadeza fazem com que o leitor por vezes sinta-se retratado, tocado, compreendido, cumplice. Somos nós esses personagens, estamos aí, expostos, frágeis, corajosos, lutando por abrir caminho, por enxergar a noite.
Por ter traduzido para o português obras de Virginia Wolf alguns críticos teimam em afirmar a influência da escritora londrina na obra de Lya. Também muito comparada a Clarice Lispector, pela sensibilidade feminina, e aí leia-se feminina e não feminista, como se somente uma escritora brasileira pudesse dissertar sobre os sentimentos humanos, Lya rebate; “Sou fascinada pelo lado complicado. Tenho um olho alegre que vive: sou uma pessoa despachada, adoro família, adoro a natureza. Mas eu tenho um outro olho que observa o lado difícil, sombrio. A minha literatura nunca vai ser "aí casaram e foram felizes para sempre". Minha literatura sempre nasceu do conflito, da dificuldade, do isolamento.”
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de ônibus - UFBA - Pavilhão de aulas do Canela - Av. Reitor Miguel Calmon
Data: 27/03/2011

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A ESTRELA SOBE


Nascido Eddy Dias da Cruz (1907-1973) construiu sua carreira literária com o pseudônimo de Marques Rebelo, e, segundo o próprio, usar pseudônimo não deixaria sofrimentos na família caso fosse perseguido ou preso por causa da campanha que se criou contra os modernistas logo após a fatídica Semana de Arte Moderna em 1922.
Em A Estrela Sobe, o autor demonstra ser um observador atento e apaixonado pela cidade do Rio de Janeiro. Leniza Máier, a personagem central do romance, luta desesperadamente para ser uma cantora de rádio. A partir desse argumento, com dissertações, diálogos (sim, é um livro com diálogos), e notas de rodapé repletas de ironia que muitas vezes revela um pouco de crueldade necessária face ao desejo sem freios de Leniza, tornando-nos quase íntimos, ou porque não dizer cúmplices dela.
Marques Rebelo constrói um painel lírico de um Rio de Janeiro na segunda metade da década de trinta cujos hábitos cortesãos relutam em ceder espaço para a praticidade de uma metrópole que já se dizia ‘moderna’. E é nesse cenário que conheceremos a trajetória da personagem principal, desde a infância até o final que não é um final, como diz o autor; “Não a abandonei, mas, como romancista, perdi-a. Fico, porém, quantas vezes, pensando nessa pobre alma tão fraca e miserável como a minha. Tremo: que será dela, no inevitável balanço da vida, se não descer do céu uma luz que ilumine o outro lado de suas vaidades”.
Em 1974 Bruno Barreto dirigiu Betty Faria no papel de Leniza Máier no filme adaptado do livro. Destaque no prêmio APCA de 1975 de melhor roteiro.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de Ônibus - Hospital da Bahia
Data: 09/04/2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE UM ATOR PORNÔ


Em função do meu trabalho, durante os anos que vivi em São Paulo, tive a oportunidade de conhecer uma quantidade muito grande de pessoas, e por causa de um projeto chamado Quinta No Cinema, no qual a Embratel comprava todos os ingressos de uma sessão de cinema e sorteava entre os funcionários interessados, frequentei muito o Espaço Unibanco de Cinema do Shopping Frei Caneca. Acompanhei esse projeto por quase dois anos e já conhecia todos por lá; os gerentes (de diferentes turnos), os relações públicas, os bilheteiros, as pessoas da limpeza e da cafeteria.
Nos dias do evento chegava cedo ao shopping e ia direto para a cafeteria comer uma quiche de alho-poró, um pão de queijo e um café com leite grande, ritual sagrado para quem saiu do trabalho às pressas e foi direto ao evento sem direito a jantar. Foi então que conheci o Sergio Clemente, autor desse livro que ora abandono. Sergio era balconista da cafeteira, um cara inteligente, articulado, sensível e até um pouco tímido. Ele me presenteou com um livro de sua autoria e pediu que escrevesse uma resenha no site da Livraria Cultura para ajudar na divulgação da sua obra.
Dias se passaram eu tive que ir até Porto Alegre ministrar um treinamento, bem naquela fase dos aeroportos em estado de caos completo, os vôos atrasavam até dez horas sem que nada pudesse ser feito a não ser esperar. Me vi numa sala de espera apinhada de pessoas e para passar o tempo eu tinha o material de trabalho e o livro Memórias Póstumas de um Ator Pornô, não demorei muito a decidir pelo livro e com isso me desliguei completamente do aeroporto.
O livro é uma homenagem burlesca ao Machado de Assis e sua obra Memórias Póstumas de Brás Cubas. Escrito na primeira pessoa pelo personagem principal Hator P.P.P. que morre em 1988 em pleno trabalho, num set de filmagem gravando seu vigésimo sétimo filme pornô. A partir daí Hator nos conta da sua infância, sua mãe, suas vizinhas, suas colegas de escola e como se tornaria o maior ator pornô do Brasil. Confesso a vocês que dei boas risadas e até fiquei chateado quando anunciaram o meu vôo. Acomodei-me rapidamente no avião e voltei a me deliciar com as aventuras de Hator P.P.P.
Lição aprendida: não subestime um jovem escritor, esteja ele onde estiver, num balcão de cafeteria ou na Bienal do Livro.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de ônibus - UFBA - Pavilhão de aulas do Canela - Av. Reitor Miguel Calmon
Data: 09/04/2011

sábado, 1 de janeiro de 2011

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO


Escrito em 1932, e lançado no Brasil pela Editora Globo em 1941, este livro é uma antevisão de um futuro no qual o domínio quase integral das técnicas e do saber científico produz uma sociedade totalitária e desumanizada. Esta ficção científica surpreende pela clareza do texto, pela lucidez do autor e pela atualidade das questões levantadas. Se, naquela época, a profecia parecia fantástica pela criação de um mundo onde bebês seriam gerados em tubos de ensaio e a felicidade poderia ser produzida quimicamente, no primeiro dia de 2011 isso nos parece quase banal.
Em Admirável Mundo Novo o cérebro privilegiado de Aldous Huxley (1894-1963) e sua viva imaginação descrevem, num misto de fantasia e sátira, uma sociedade futura de tipo totalitário. A visão de um futuro surpreendente e ameaçador, onde a aspiração de simplificar e estabilizar um mundo novo, os cultos à máquina e à racionalização criam uma humanidade que não conhece o esforço e nem a dor, mas que suprime também o amor, as emoções, a arte e até mesmo a liberdade.
A idéia simplista de progresso, alicerçado apenas na técnica, o materialismo mecanicista e certas ideologias filiadas numa filosofia de inspiração pragmática tornam Admirável Mundo Novo um aviso, um apelo à consciência dos homens. É uma denúncia do perigo que ameaça a humanidade, se a tempo não fechar os ouvidos ao canto da sereia do falso progresso.
Conta a lenda que esta obra quase profética viria influenciar George Orwell ao escrever o best seller 1984. A morte desse grande visionário ensaísta foi ofuscada na mídia em função do assassinato do John F. Kennedy, acontecido no mesmo dia.
Nesta edição que abandono contém um prefácio do autor, datado de 1966, em que Huxley analisa sua posição como escritor amadurecido frente ao jovem de 1931, reafirma suas convicções de homem de espírito livre e condena todas as ideologias que tentam conduzir o homem a padronização. Nada como ter um bom livro pragmático às mãos para começar o ano com novos pensamentos.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de Ônibus - Hospital da Bahia
Data: 20/03/2011