domingo, 31 de agosto de 2014

BRIDA


Leitores assíduos do blog sabem que não morro de amores pelo Paulo Coelho (1947), um escritor de sucesso com fãs no mundo inteiro, também sabem que já li grande parte da sua obra e que, na minha mais modesta opinião, seus livros atuais estão longe daqueles escritos na origem de sua vertente como escritor, estão rasas e repetitivas. Sou apenas mais um leitor que tem o poder de gostar ou não de um livro e, no meu caso, escrever aqui no blog minha opinião. Leitores podem “pegar pra si” o que escrevo, ou podem dar um “Control-Alt-Del” nos meus escritos e joga-los fora.

Tenho visto as estantes das livrarias repletas de livros juvenis sobre mitologia, magos, bruxas, castas, e fico me perguntando se os jovens de hoje tem o embasamento necessário para entender de tão vastos e complexos assuntos. Ainda pretendo ler todos, um dia, se conseguir viver até os duzentos anos. Hoje fui buscar justamente na literatura do Paulo Coelho um livro bem bacana que nos conta sobre o ritual de passagem de Brida O’Fern, uma jovem de 21 anos que tem seu destino traçado pela Tradição da Lua e se tornará uma das mais jovens Mestras da Tradição das Feiticeiras.

História real ou não? Paulo Coelho jura que sim, faz alguns alertas sobre os rituais que ele descreve no livro informando que fazê-los sem orientação específica é perigoso, desnecessário e desaconselhável.  Quase como dizer a uma criança; “Não ande por aí” despertando a curiosidade e a rebeldia do “Porque?”.

Também em tom de alerta Paulo define os seres humanos entre aqueles que constroem e aqueles que plantam. Põe os construtores como responsáveis por obras finitas, aquelas que fazem seus idealizadores desnecessários após a conclusão. Enclausurados e limitados perdem o sentido da vida. Já os que plantam enfrentam o sofrimento, as intempéries e nunca descansam porque seu jardim jamais cessará de crescer tornando sua vida uma aventura infinita.

Brida não é um livro fácil, mas se você embarcar na aventura da construção sem perder de vista o seu jardim será agraciado com exemplos para sua vida. Quais? Você só saberá lendo.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Entrada garagem Salvador Shopping
Data: 30/11/2014

domingo, 24 de agosto de 2014

LEMBRANÇAS DA MEIA NOITE


No início de 2014 o maitre que trabalha no Café Teatro Rubi me pediu uma ajuda. Por sempre me ver com um livro nas mãos antes dos shows começarem queria uma indicação de livro para sua filha de sete anos que, segundo ele, gosta muito de ler e já não se contentava mais com os gibis e os livrinhos infantis de pintar. Pensei na minha infância e sugeri a coleção do Monteiro Lobato. Passadas algumas semanas o maitre veio falar novamente comigo dizendo que a filha estava adorando os livros e que estava cobrando dele o hábito da leitura. Sentindo-se responsável por incentivar a leitura na filha e ele mesmo não ler nada além das manchetes dos jornais achou que devia dar o exemplo em casa. Conversamos sobre livros e chegamos à conclusão de que deveria ser uma leitura fácil e que prendesse o fôlego, tentamos o Dan Brown e não deu muito certo, era erudito demais e ele não conhecia todos aqueles simbolismos, indiquei um Jorge Amado apostando na sua baianidade mas ele achou lento demais, apesar de gostar das passagens com cenas de sexo, não foi além da página oitenta. Apelei então para o Sidney Sheldon e entreguei em suas mãos um exemplar de O Outro Lado da Meia Noite.

Ontem o maite me devolveu o livro com uma cara de triste, pensei logo que ele havia desistido como fez com os outros, mas para minha surpresa e uma dose de interpretação do maitre ele havia adorado o livro, tanto que me contou toda a história como se eu não soubesse. Depois pediu para ficar mais um tempo com o livro porque sua mulher ficou interessada na história que o marido andou lendo nos últimos trinta dias e, fazendo a cara do personagem Gato de Botas do filme Shrek, perguntou se não tinha outro livro agora que estava empolgado, esse maitre é um artista. Confesso a vocês que fiquei emocionado pelo ocorrido e só não chorei por puro pudor.

Hoje estou levando para o maitre a continuação de O Outro Lado da Meia Noite. Escrito pelo Sdiney Sheldon (1917-2007) exatos dezessete anos depois com o título de Lembranças da Meia Noite. Muito embora essa obra possa ser lida separadamente do primeiro é muito bom que obedeçamos a ordem para um entendimento perfeito sobre o passado de Catherine Douglas e sua ligação com o milionário Constantin Demiris. No início ela tem amnésia e está tentando lembrar-se do passado e com isso saber o porquê de estar tão angustiada, apesar de viver bem num convento carmelita na Grécia sua mente está dividida entre assumir o passado ou excluí-lo. Quando ela começa a recuperar a memória o perigo volta a rondar sua vida, Constantin não pode deixar que todos saibam o que aconteceu no passado.

Talvez eu demore um pouco para abandonar esse livro, isso vai depender de quanto tempo o maitre vai levar para lê-lo, mas será por uma boa causa. Vocês concordam?

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Sala de entrada do Espaço Xisto Bahia
Data: 01/11/2014

domingo, 17 de agosto de 2014

A ELEGÂNCIA DO OURIÇO


Recentemente estive em São Paulo, foram nove dias intensos e cheios de significados graças aos bons amigos que por lá deixei desde que voltei a morar em Salvador e que preservo como joias, daquelas que merecem caixas pretas de veludo e cofres atrás de quadros tal qual vemos nas novelas. Um desses amigos é Roberto Camargo, sempre me hospedo na sua “casa cenário”, piada interna entre nós, e abro o máximo que posso minha percepção para novos horizontes principalmente nas artes.

Dessa visita levei um livro chamado A Elegância do Ouriço, o título pode parecer esquisito a primeira vista, mas basta ler o primeiro capítulo para mergulhar de cabeça no cotidiano do prédio da Rue de Grenelle no 7, Paris, endereço chique onde só moram pessoas ricas e de família tradicional. Esse é o segundo livro de Muriel Barbery (1969), uma escritora que eu nunca havia ouvido falar mas tornei-me fã incondicional do seu estilo literário que mistura uma boa história e um pouco de filosofia para fazer pensar. Nos dias atuais em que a velocidade tirou o lugar da paciência, da singeleza, precisamos pensar mais, e pensar seriamente sobre o que estamos fazendo de nós mesmos.

Muriel tem a ousadia de escrever um livro com duas narradoras: a primeira é Renée, a concierge, ou zeladora para os padrões daqui, uma mulher desprovida da beleza clássica das mulheres em geral, veste-se numa carapaça de ranzinza capaz de bater a porta na cara de qualquer um que a incomode fora do seu horário de trabalho para que ninguém adivinhe o que esconde na sua humilde casa de zeladora. Renée é na verdade uma observadora refinada, uma amante extremada das letras e das artes, leu tudo que pôde, conhece todas as nuances dos grandes pensadores e filósofos, admira a arte na música, no cinema e é capaz de reconhecer o autor de um quadro pelo seu traço, sem precisar olhar a assinatura.

A segunda narradora é Paloma, uma garota de doze anos filha de um dos abastados moradores do edifício e que tem a mesma postura de Renée para esconder dos outros sua inteligência e perspicácia. Ela tem um plano para quando completar treze anos e é a responsável pelos “Pensamentos Profundos” e pelo “Diário do Movimento do Mundo” que o livro nos injeta e nos faz refletir, afinal é uma garota com apenas doze anos.

A chegada de um novo morador, o Sr. Ozu, irá desvendar a alma das duas narradoras e fazer desse trio nosso objeto de desejo.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Café da Sala de Cinema Walter da Silveira
Data: 01/11/2014

domingo, 10 de agosto de 2014

AMADO MEU


Antes de ser cineasta famoso Pier Paolo Pasolini (1922-1975) foi professor, poeta, novelista e membro do PCI – Partido Comunista Italiano. Homem controverso, participou do Congresso da Paz em Paris, registrou as lutas dos trabalhadores e camponeses com a polícia italiana transformando-a em argumento do seu primeiro romance, foi preso, acusado de corrupção de menores e atos obscenos em lugares públicos, por isso foi expulso do PCI e perdeu o emprego como professor. Passou fome até mudar-se com sua mãe para Roma.

Seus filmes são muito conhecidos pela forte crítica ao governo italiano e sua ligação extrema com a igreja católica, mas também são marcados pela quebra de ruptura da sociedade. Seu mais famoso filme Teorema, que também é livro, mostra um indivíduo entrando na vida de uma família e a desestruturação que é capaz de fazer, em cada membro dessa família vemos representada uma instituição da sociedade.

O livro que pretendo abandonar tem o título de Amado Meu mas possui duas obras do autor; a primeira intitulada Atos Impuros e a segunda que leva o nome do livro. Tanto uma como a outra refletem o estado psicológico do ensaísta Pasolini cujas reflexões sobre o prazer sexual do amor e a repugnância ao ato sexual reprimido pela sociedade e a igreja, nos levam a dúbios pensamentos. Tratado como criminoso o autor nos faz cúmplices da culpa que o atormentava por sentir esse amor que chamam de homossexual e seu impulso para o prazer sempre cortado pelo considerado ato proibido.

Acredito que os poetas, quando abrem verdadeiramente o coração pra mostrar o que se passa dentro deles contribuem imensamente para, de alguma forma, modificar o mundo e as organizações repressoras que neles existem.  Nesses instantes os conceitos de moral, certo, errado, deixam de ter sentido. No fim prevalece o que costumo chamar de 'amor'.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Banco do Brasil - Ag. Shopping Barra
Data: 01/11/2014

domingo, 3 de agosto de 2014

FILHAS DO SEGUNDO SEXO


O jornalista Paulo Francis (1930-1997) autor do livro que pretendo abandonar nunca passou batido, era célebre criador de polêmicas desde quando atuou como crítico de teatro. Tentou realizar um movimento para enxotar espetáculos que promovessem somente as estrelas do momento enaltecendo aqueles que apresentassem os textos do repertório clássico não apenas como espetáculo, mas privilegiassem o que ele chamava de ‘ato cultural’. Protagonizou uma critica feroz contra a atriz Tônia Carrero chamando-a de prostituta e foi agredido fisicamente por causa disso pelo marido da atriz, Adolfo Celi, e pelo ator Paulo Autran, colega de Tônia no Teatro Brasileiro de Comédia.

Preso duas vezes acusado de atitude subversiva pelos órgãos de repressão, em 1971 decidiu ir morar em Nova York passando a atuar como correspondente para O Pasquim, Tribuna da Imprensa, revista Status e jornal Folha de São Paulo. Na TV, em 1997, quando fez parte do programa Manhattan Connection transmitido pelo canal GNT, foi processado após a declaração de que a Petrobrás deveria ser privatizada porque seus diretores possuíam milhões de dólares em contas na Suíça.

Amargou fracassos na literatura, desde o livro de memórias intitulado O Afeto Que Se Encerra até Filhas do Segundo Sexo. E eu, na minha mais humilde opinião, acredito que esse fracasso deveu-se principalmente à personalidade do autor do que a obra em si. Achei o livro muito divertido, são duas histórias distintas: “Mimi vai à guerra” e “Clara, Clarimunda”, em ambas há a tentativa de colocar em discussão a emancipação da mulher de classe média brasileira entre 1959 e 1969, rechaçando a lama da elite através de uma crônica sem muitos formalismos, mas de excelente humor, quase beirando o inusitado.

Frases como: “O que mamãe explicava que Mimi entregaria a Gil na noite do casamento, Mimi entregara anos atrás e nem lembrava a quem...”, ou “Clara ficou de pé. Não tinha remorsos, tinha carências...” mostram que não há heróis nos seus escritos, a lucidez gerada pelas experiências dolorosas não deixa nenhuma das duas assumir o papel de vítima.

Citando uma frase muito emblemática da época, Paulo Francis era “Ame-o ou Deixe-o”.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Sofá em frente a loja Fototica - Shopping Barra
Data: 12/10/2014