domingo, 31 de maio de 2015

NOSSA SENHORA DAS FLORES


Tenho pensado muito na solidão, volta e meia vejo programas de TV falando do assunto e leio reportagens que tratam a solidão como um mal do século 21.  E aí jogam num balaio todas as formas de solidão, como se todas elas fossem amargas e deprimentes, teoria que discordo totalmente. O fato de estar só pode sim ser considerado ruim, mas sob outro ponto de vista acho que a solidão gera uma fonte inesgotável de sentimentos e é um excelente mote para a criação artística em todas as suas vertentes. Acredito muito que o ser humano precisa de uma solidão diária, para ser quem ele realmente é, sem precisar cumprir os papéis de pai de família, filho, trabalhador, empresário, etc...

Num desses dias que estava completamente só, absorto em olhar a estante de livros como se estivesse meditando ao ver a imagem do pôr do sol, minha visão se fixou num livro que li há muito tempo, 1990, que foi escrito há mais tempo ainda, 1948, quando seu autor tinha 38 anos. Jean Genet (1910-1986) escreveu Nossa Senhora das Flores num momento de extrema solidão, para boa parte dos críticos literários esse romance é considerado sua obra prima e é figurinha fácil em qualquer lista dos cem melhores livros do século 20.

A história se passa na cela de uma prisão. Partindo do pressuposto que o personagem é culpado por estar preso o autor vai tecendo um panorama da solidão humana e a hipocrisia das suas relações com o outro e o universo que habita. Os possíveis horrores vividos pelo personagem são narrados de modo a lhes conferir um novo olhar, uma nova versão, atemporal, poética e até sacralizada. Essa maneira particular e peculiar que Jean Genet torna seus personagens marginais em seres apaixonantes, de linguagem suntuosa, as palavras valendo-se como elementos chave que sustentarão um lirismo barroco na sordidez dos acontecimentos, é o seu mais rico legado. Não haverá outro escritor que tenha vivido suas experiências e que as tenha transcrito em palavras de forma tão definitiva.

Fico pensando se Jean Genet estivesse preso numa penitenciária brasileira nos dias de hoje, onde uma cela para quatro detentos abrigam às vezes mais de vinte ao mesmo tempo. Como é possível refletir, como criar uma nova vida, como arrepender-se num lugar assim.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Doceria A Cubana - Praça Municipal
Data: 01/08/2015

3 comentários:

  1. Bela reflexão! Sou um amante da solidão. E, mesmo estando em uma relação há doze anos, não abro mão da minha...sabes bem!

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  2. Deveríamos resgatar grandes autores e títulos esquecidos. Parabéns. Li Gene em minha adolescência. Genial.

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