Num desses dias que estava completamente só, absorto em
olhar a estante de livros como se estivesse meditando ao ver a imagem do pôr do
sol, minha visão se fixou num livro que li há muito tempo, 1990, que foi
escrito há mais tempo ainda, 1948, quando seu autor tinha 38 anos. Jean Genet
(1910-1986) escreveu Nossa Senhora das Flores num momento de extrema solidão,
para boa parte dos críticos literários esse romance é considerado sua obra
prima e é figurinha fácil em qualquer lista dos cem melhores livros do século
20.
A história se passa na cela de uma prisão. Partindo do
pressuposto que o personagem é culpado por estar preso o autor vai tecendo um
panorama da solidão humana e a hipocrisia das suas relações com o outro e o
universo que habita. Os possíveis horrores vividos pelo personagem são narrados
de modo a lhes conferir um novo olhar, uma nova versão, atemporal, poética e
até sacralizada. Essa maneira particular e peculiar que Jean Genet torna seus
personagens marginais em seres apaixonantes, de linguagem suntuosa, as palavras
valendo-se como elementos chave que sustentarão um lirismo barroco na sordidez
dos acontecimentos, é o seu mais rico legado. Não haverá outro escritor que
tenha vivido suas experiências e que as tenha transcrito em palavras de forma
tão definitiva.
Fico pensando se Jean Genet estivesse preso numa
penitenciária brasileira nos dias de hoje, onde uma cela para quatro detentos
abrigam às vezes mais de vinte ao mesmo tempo. Como é possível refletir, como criar uma nova vida, como
arrepender-se num lugar assim.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Doceria A Cubana - Praça Municipal
Data: 01/08/2015