domingo, 29 de março de 2015

CIDADES DE PAPEL


Tenho um apreço especial pelo John Green (1977) desde que li o seu último e mais famoso livro A Culpa é das Estrelas, muito antes de tornar-se uma celebridade mundial pelo retumbante sucesso. Veja o post que escrevi aqui no blog em novembro de 2012. De lá pra cá ele não publicou mais nada original, o que me deu tempo de ler toda a sua obra já que nesses casos as editoras relançam como se fosse novidade livros escritos anteriormente e fazem questão de destacar na capa que trata-se do mesmo autor de A Culpa...

Cidades de Papel foi publicado em 2008 e, como todos os livros do autor, tem como pano de fundo a amizade adolescente e nesse caso específico complementado pelo amor platônico de um garoto de nove anos por sua vizinha, que mais tarde, aos dezenove anos, se tornaria a garota mais bonita e cobiçada do planeta. No primeiro parágrafo, ainda no prólogo, o jovem Quentin Jacobsen, mais conhecido como Q, descreve o fato de ser vizinho de Margo Roth Spiegelman como um “milagre”.

A história desenvolve-se em quatro tempos: o primeiro que o autor denomina de “Os fios” e eu apelidei de ‘a vingança’ é pura adrenalina e inventividade, afinal Q é alçado da condição de invisível para a de cúmplice no plano secreto que acontecerá naquela noite e mudará sua vida. Na segunda parte do autor “A relva”, que apelidei de ‘intervalo’, é o momento do livro que se retrata a busca pelo elo perdido, afinal, dias se passaram depois da noite fatídica e a moral de Q na escola cresce assustadoramente. Na parte três “O navio”, que apelidei de ‘busca frenética’, somos tragados e levados numa viagem de perder o fôlego porque temos apenas dezenove horas para chegar à tempo e nesse momento os capítulos mudam a contagem de numérica para horas, e o tempo vai se esgotando. A quarta parte não é definida pelo autor, para ele é apenas mais um capítulo com o título de AGLOE, para mim é o momento que o livro torna-se reflexivo, não há adrenalina, são jovens pensando nas suas vidas e no futuro, se é que haverá futuro e este se deixe prever. É o momento mais interessante do livro e só há o entendimento do que se está escrito porque passamos pelas três fases anteriores.

Há de se dar um crédito especial para o autor por desmistificar os sentimentos das famosas “garotas mais lindas da escola”. Ele já havia ensaiado isso no primeiro livro, ‘Quem é Você, Alasca?’, mas agora consegue fazer cair por terra o estereótipo de que as mais lindas, gostosas e cobiçadas garotas também sofrem de forma real, e o fato de serem bonitas, desejadas e populares não minimiza questões internas e familiares.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Café do Teatro Vila Velha
Data: 07/06/2015

domingo, 22 de março de 2015

DENÁRIO DO SONHO


Tenho uma predileção por escritores requintados, e quando digo isso não me refiro à palavra ‘requinte’ como sinônimo de glamour ou riqueza e sim à delicadeza da escrita, a elegância, a sutileza e ao bom gosto. Marguerite Yourcenar (1903-1987) foi assim nos seus escritos, já comentei aqui no blog sobre dois livros de sua autoria, A Obra em Negro (out/2013) e Memórias de Adriano (jul/2014), este último estará para sempre qualquer lista que eu faça sobre livros indispensáveis na vida de um ser humano.

Ao escrever o parágrafo acima sou embalado por Nina Simone cantando For All We Know e a música cabe perfeitamente no processo criativo desse post, o requinte da estrutura narrativa de Marguerite com a voz de Nina. A música fala de relações humanas, despedidas e sentimentos que talvez nunca tenhamos coragem de confessar, por isso o hoje é urgente. O livro, apesar de envolvo na aura histórica do fascismo italiano, permanente preocupação da autoria com o leu legado, trata de relações humanas e suas variadas e inimagináveis vertentes.

O Denário, que dá título ao livro, é uma antiga moeda italiana que correspondia ao salário diário de um trabalhador. No romance a moeda assume o papel de elo entre os personagens, ao passar de mão em mão torna-se o símbolo de contato entre as pessoas, suas vidas, anseios, amores e à melancolia da indignação muda. Na minha modestíssima opinião é incrível a maneira como a autora entrelaça as vidas, os sonhos e o convívio entre as pessoas. Um livro rico em diversidade sobre o dito e o não dito.

Dito isso entrego aqui três citações do livro, não vou informar a página de propósito para que você leia o livro e tenha a surpresa sobre o pensamento ou a palavra.

“O amor não se compra: as mulheres que se vendem apenas se alugam aos homens; mas compra-se o sonho – substância impalpável que se transaciona sob várias formas.”

“Giulio iludira-se na esperança de que as manias da mulher se fossem atenuando com a idade; envelhecendo, os defeitos de Giuseppa, ao contrário, haviam crescido monstruosamente como seus braços e a cintura; sob a garantia de trinta anos de intimidade conjugal, ela não os dissimulava mais do que as imperfeições físicas.”

“Começara por nutrir relativamente a Carlo esse sentimento de que somos mais ricos, a indiferença, pois que o devotamos a cerca de dois bilhões de seres humanos.”

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Passeio Público - Teatro Vila Velha
Data: 07/06/2015

domingo, 15 de março de 2015

QUEM TEM MEDO DE ESCURO?


Desde os anos 1970, depois dos sucessos A Outra Face e O Outro Lado da Meia Noite, que os livros de Sidney Sheldon (1917-2007) passaram a ser aguardados ansiosamente pelos seus fãs. Depois do mega sucesso de vendas do livro Se Houver Amanhã, publicado em 1985, sua editora passou a fazer estratégias de lançamento dignas de Hollywood. Para o bem e para o mal essas estratégias são copiadas até hoje para os autores “da moda” como: J. K. Rowling, E. L. James, Paulo Coelho, Stephenie Meyer, Jô Soares, Dan Brown, e mais recentemente Fernanda Torres, Harlan Coben e John Green.

Eu sou um desses fãs que fica aguardando ansiosamente os lançamentos sem necessariamente ter o impulso consumista de compra-los imediatamente. Sempre tive a filosofia que livros são eternos e que em seis meses, um ano, após o lançamento, já é possível adquirir a obra por módicos preços. Há exceções, claro, como tudo na vida, um novo Dan Brown ou algo inédito do John Green eu vou sair correndo porta a fora até a livraria mais próxima e começar a ler lá mesmo, antes de pagar.

É aí que entra em ação um profissional da editora que terá um papel importantíssimo em um lançamento. A pessoa designada para escrever a ‘orelha’ do livro pode derruba-lo, ou enaltece-lo de tal forma que ficará irresistível para pessoas como eu não passar pelo caixa. Sou do tipo de ser humano que sai de casa e vai passear na livraria igual a muitos que vão passear no shopping, sem a pretensão de comprar, mas de coração aberto. Então me predisponho a ler ‘orelhas’ de livros cujos autores não conheço e elas podem me conquistar, ou não. Dito isso vou reproduzir a ‘orelha’ do livro Quem Tem Medo do Escuro?

“De todos os cantos do mundo chegam notícias da morte e do desaparecimento de pessoas ligadas ao Kingsley International Group, o KIG. Em Berlim, uma mulher some em plena luz do dia. Em Paris, um homem pula da torre Eiffel. Em Denver, um avião explode contra uma montanha. Em Nova York, um corpo é encontrado às margens do East River.
Kelly Haris e Diane Stevens, jovens viúvas de duas vítimas, se conhecem em Nova York, a convite do presidente do KIG, Tanner Kingsley. Ele garante que está fazendo todo o possível para descobrir quem está por trás das mortes misteriosas de seus maridos. Mas pode ser tarde demais. Alguém tenta matar Kelly e Diane, que escapam por pouco. Quem teria tramado a atentado? E, mais importante, por quê?
Cheias de suspeitas e com muitas perguntas a serem respondidas, as duas se veem forçadas a permanecer juntas para sobreviver a um perigoso jogo de gato e rato no qual forças misteriosas e poderosas conspiram para destruí-las.”

Depois de ler a descrição acima, e sabendo da fama de Sidney Sheldon, como resistir a abrir o livro e ler o primeiro capítulo?

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Restaurante Perini - Graça
Data: 25/05/2015

domingo, 8 de março de 2015

A PAIXÃO SEGUNDO G. H.



Não é coincidência, não acredito em coincidências, que hoje, dia 8 de março, adotado pela ONU como o Dia Internacional da Mulher, vou escrever e posteriormente abandonar um livro de Clarice Lispector (1920-1977). Na minha modestíssima opinião a melhor e mais profunda escritora de todos os tempos. Sua obra trouxe reflexos inimagináveis na minha vida, mesmo hoje, perto de completar 52 anos, ainda me sinto abalado e contagiado pela sua escrita e pensamentos. Digo abalado e contagiado porque recentemente folheei meu exemplar de A Paixão Segundo G. H. e fui tomado pela mesma angústia que senti aos 20 anos quando li pela primeira vez. Nos anos seguintes quando reli o livro a obra de Clarice nunca me pareceu menor, datada ou velha.

Uma mulher, G. H., descrita sempre pelas iniciais para nunca sabermos seu verdadeiro nome, decide arrumar seu próprio quarto depois de demitir a empregada. Depara-se com uma barata na porta de seu guarda roupa e a mata, estarrece-a o fato de que aquele ser no quarto compromete a sua individualidade. Ao contar o episódio sempre na primeira pessoa somos tragados por G. H. para um labirinto, um monólogo, um jorro de palavras, um turbilhão de linguagens. Faz parte da obra de Clarice o paradoxo de palavras que afasta o ser da sua essência e ao mesmo tempo constitui-se a chave para desvenda-la. A palavra como instrumento possível de tocar o intocável, descrever o abstrato, fazer sentir e despertar os sentidos.

Clarice nos leva por capítulos organizados sistematicamente, cada um começa com a mesma frase que serve para fechar o anterior, como um refresco, um tempo para pensar, mas a interrupção não nos deixa perder a continuidade da experiência vivida por G. H. até o momento crucial da história, a grande revelação. Depois disso G. H. irá entregar-se ao silêncio.

Ao escrever o parágrafo anterior fiz questão de não entregar o final, a revelação, mas lembrei exatamente da minha percepção quando tinha vinte anos e terminei a leitura pela primeira vez. Senti que não estava preparado para aquilo, estava com um nó no estômago e uma dor que não sabia bem de que parte do corpo vinha. Anos mais tarde quando novamente me entreguei a G. H. lembro que chorei muito no final e aquela mulher se revelou para mim. Lembro também que numa terceira leitura do livro não fui capaz de chorar, mas, assim como G. H., passei algumas horas em silêncio. Fiquei abraçado ao livro confortando aquela mulher e sua capacidade de entrega.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Hotel Sheraton da Bahia - Recepção
Data: 24/05/2015

domingo, 1 de março de 2015

NASCIDO PARA MATAR


Guerras, pra que? Pergunta que sempre me faço quando leio sobre o assunto nos jornais, revistas, quando assisto filmes e também quando leio os livros que contam os horrores e as pseudo honras. Não entendo honras de uma guerra, não entendo as decisões dos governantes ou líderes que incentivam as conquistas ou a pretensa defesa. Recentemente li a respeito de mais um jovem que morreu durante um treinamento militar e também me pergunto por que esse tipo treinamento deve ser tão duro, a finalidade é extrair o melhor, ou pior, que existe em nós?

Fui buscar na minha estante um livro cujo título original é The Short-Timers. No Brasil foi lançado só em 1988 com o título Nascido para Matar, o mesmo título que o filme Full Metal Jacket, dirigido pelo Stanley Kubrick, que usa a obra como ponto de partida. Embora seja lugar comum aqui no blog dizer que o livro é sempre melhor que o filme, há exceções como O Diabo Veste Prada e outros, mas são bem raras. Esse livro é menos glamoroso que o filme, e menos impactante já que o sangue do filme é muito mais vermelho que o sangue no livro.

Mas o que gostaria de ressaltar é que o livro do Gustav Hasford (1947-1993) é uma autobiografia, ele conta as histórias que viveu enquanto servia na Marinha dos Estado Unidos, e os horrores são descritos como reais, embora ele não possa provar. Do treinamento até o envio da tropa para a frente de batalha os “marines” vivem uma rotina sombria de humilhação e lavagem cerebral no sinistro Posto de Recrutamento do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, localizado na Ilha Parris – Carolina do Sul.

Embora nosso personagem principal tenha sido um correspondente, fica claro que ele viveu coisas inimagináveis e não será possível determinar que sequelas de guerra ele levará vida a fora. Ainda não entendo porque temos guerras, não consigo entender essa ganância bélica que aparecem nos noticiários, assim como não assimilo violência. Será que chegaremos num tempo que seja possível viver na paz? Para mim é só uma questão de aceitar o outro como ele o é e compartilhar mais o mundo, simples assim?

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Entrada da escala rolante G1  Norte
Data: 17/05/2015