domingo, 8 de março de 2015

A PAIXÃO SEGUNDO G. H.



Não é coincidência, não acredito em coincidências, que hoje, dia 8 de março, adotado pela ONU como o Dia Internacional da Mulher, vou escrever e posteriormente abandonar um livro de Clarice Lispector (1920-1977). Na minha modestíssima opinião a melhor e mais profunda escritora de todos os tempos. Sua obra trouxe reflexos inimagináveis na minha vida, mesmo hoje, perto de completar 52 anos, ainda me sinto abalado e contagiado pela sua escrita e pensamentos. Digo abalado e contagiado porque recentemente folheei meu exemplar de A Paixão Segundo G. H. e fui tomado pela mesma angústia que senti aos 20 anos quando li pela primeira vez. Nos anos seguintes quando reli o livro a obra de Clarice nunca me pareceu menor, datada ou velha.

Uma mulher, G. H., descrita sempre pelas iniciais para nunca sabermos seu verdadeiro nome, decide arrumar seu próprio quarto depois de demitir a empregada. Depara-se com uma barata na porta de seu guarda roupa e a mata, estarrece-a o fato de que aquele ser no quarto compromete a sua individualidade. Ao contar o episódio sempre na primeira pessoa somos tragados por G. H. para um labirinto, um monólogo, um jorro de palavras, um turbilhão de linguagens. Faz parte da obra de Clarice o paradoxo de palavras que afasta o ser da sua essência e ao mesmo tempo constitui-se a chave para desvenda-la. A palavra como instrumento possível de tocar o intocável, descrever o abstrato, fazer sentir e despertar os sentidos.

Clarice nos leva por capítulos organizados sistematicamente, cada um começa com a mesma frase que serve para fechar o anterior, como um refresco, um tempo para pensar, mas a interrupção não nos deixa perder a continuidade da experiência vivida por G. H. até o momento crucial da história, a grande revelação. Depois disso G. H. irá entregar-se ao silêncio.

Ao escrever o parágrafo anterior fiz questão de não entregar o final, a revelação, mas lembrei exatamente da minha percepção quando tinha vinte anos e terminei a leitura pela primeira vez. Senti que não estava preparado para aquilo, estava com um nó no estômago e uma dor que não sabia bem de que parte do corpo vinha. Anos mais tarde quando novamente me entreguei a G. H. lembro que chorei muito no final e aquela mulher se revelou para mim. Lembro também que numa terceira leitura do livro não fui capaz de chorar, mas, assim como G. H., passei algumas horas em silêncio. Fiquei abraçado ao livro confortando aquela mulher e sua capacidade de entrega.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Hotel Sheraton da Bahia - Recepção
Data: 24/05/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário