Uma mulher, G. H., descrita sempre pelas iniciais para nunca
sabermos seu verdadeiro nome, decide arrumar seu próprio quarto depois de
demitir a empregada. Depara-se com uma barata na porta de seu guarda roupa e a
mata, estarrece-a o fato de que aquele ser no quarto compromete a sua
individualidade. Ao contar o episódio sempre na primeira pessoa somos tragados
por G. H. para um labirinto, um monólogo, um jorro de palavras, um turbilhão de
linguagens. Faz parte da obra de Clarice o paradoxo de palavras que afasta o
ser da sua essência e ao mesmo tempo constitui-se a chave para desvenda-la. A
palavra como instrumento possível de tocar o intocável, descrever o abstrato, fazer
sentir e despertar os sentidos.
Clarice nos leva por capítulos organizados sistematicamente,
cada um começa com a mesma frase que serve para fechar o anterior, como um
refresco, um tempo para pensar, mas a interrupção não nos deixa perder a
continuidade da experiência vivida por G. H. até o momento crucial da história,
a grande revelação. Depois disso G. H. irá entregar-se ao silêncio.
Ao escrever o parágrafo anterior fiz questão de não entregar
o final, a revelação, mas lembrei exatamente da minha percepção quando tinha
vinte anos e terminei a leitura pela primeira vez. Senti que não estava
preparado para aquilo, estava com um nó no estômago e uma dor que não sabia bem
de que parte do corpo vinha. Anos mais tarde quando novamente me entreguei a G.
H. lembro que chorei muito no final e aquela mulher se revelou para mim. Lembro
também que numa terceira leitura do livro não fui capaz de chorar, mas, assim
como G. H., passei algumas horas em silêncio. Fiquei abraçado ao livro
confortando aquela mulher e sua capacidade de entrega.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Hotel Sheraton da Bahia - Recepção
Data: 24/05/2015
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