domingo, 29 de maio de 2016

AI, QUE LOUCURA!


Você já ouviu falar na socialite carioca Narcisa Tamborindeguy (1966)? Assistiu ao programa Mulheres Ricas exibido pela TV Bandeirantes? Se você respondeu não para as duas questões anteriores esse livro não é para você. Esqueça, devolva, troque e não perca seu tempo porque a leitura será confusa, em alguns momentos rasa e em outros será eloquente demais. Mas se por acaso respondeu sim para as duas questões, ou apenas uma delas, então aproveite e divirta-se, mas não espere grande coisa.

É claro que uma história é sempre uma história. Principalmente se você for como eu e pensa que a vida de todo ser humano na face da terra pode render uma biografia. Guardadas as devidas proporções entre a lição de vida de Andressa Urach (Morri para Viver), Kéfera Buchmann (Muito Mais que 5 Minutos) ou Luan Santana (Luan Santana – A Biografia) e a obra sobre Nelson Mandela (A Luta é a Minha Vida), Mahatma Gandhi (Minha Vida e Minhas Experiências com a Verdade) ou Irmã Dulce (O Anjo Bom da Bahia), na minha humilde opinião, existem histórias que simplesmente foram contadas e existem histórias que fizeram a diferença no mundo. Ao terminar de ler o livro Ai, Que Loucura! percebi claramente que a história de Narcisa faz parte do primeiro grupo.

Se você acabou de ler Guerra e Paz (Liev Tolstoi) e tem pela frente O Segundo Sexo (Simone de Beauvoir) dê um refresco para seus pensamentos e leia Ai, Que Loucura! Será um oásis de frescurinhas entre dois livros “cabeção”. Narcisa relata sua vida entre a piscina do Copacabana Palace e uma carreira de cocaína, festas, alta sociedade, viagens, e outras memórias que as drogas não apagaram antes de se declarar ‘limpa’. E não precisa seguir os capítulos, a autora se encarrega de mudar abruptamente de assunto assim como o faz na vida real. Felizmente, para quem decidiu enfrentar as 136 páginas, ela ainda não havia criado os outros bordões: “Ai, que Absurdo!” e “Ai, que Badalo!”.

Agora podem me crucificar!

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Grade do portão lateral ao Teatro SESI - Rio Vermelho
Data: 08/07/2016

domingo, 22 de maio de 2016

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA


Na época que prestei o vestibular pela primeira vez recebi um manual que informava a relação dos assuntos para estudar e também a lista dos livros que deveriam ser lidos. Era uma espécie de direcionamento ao aluno para obter um bom aproveitamento nas provas. A leitura das obras indicadas foi feita com tanto prazer que se tornou um hábito e por vários anos consultei a lista do vestibular como referência para minhas leituras, mesmo sem a necessidade de fazer as provas.

Foi exatamente por causa dessa lista que li Triste Fim de Policarpo Quaresma. A obra do mestre Lima Barreto (1881 – 1922) foi publicada em capítulos durante os meses de agosto a outubro de 1911 dentro do Jornal do Commercio, que na época era escrito com dois emes, e só lançada como livro em 1915 com o dinheiro do próprio autor. Lima era um apaixonado pelo Brasil e foi muito criticado pelos escritores da época pelo despojamento de seus diálogos, sempre fiéis ao modelo de romance realista, que resgatava as tradições da cultura popular.

Policarpo era o nosso Dom Quixote, impossível não comparar com o personagem criado por Miguel de Cervantes cuja trajetória de vida se confunde. Policarpo era um homem simples, por ser um leitor voraz era criticado pela vizinhança que não entendia porque um homem que não era professor ou acadêmico tinha tantos livros em casa. Ele se entrega ao conhecimento das culturas populares e decide aprender a tocar violão, um instrumento que via como representante do mais popular no país. É então que conhece Ricardo Coração dos Outros, um seresteiro que irá acompanha-lo por suas desventuras. Na repartição que trabalhava comete o desatino de escrever um memorando em língua Tupi, é taxado como louco e acaba internado num hospício. Passados alguns anos o já livre Policarpo é aconselhado por Olga, sua sobrinha, a comprar um sítio na fictícia cidade de Curuzu. Começa então a saga de Policarpo pela agricultura com o objetivo de ajudar no crescimento do Brasil. É quando estoura a Revolta da Armada e ele é convocado a liderar um grupo de voluntários sem nenhum treinamento. Seu destino é selado quando escreve uma carta ao Marechal Floriano Peixoto criticando e denunciando arbitrariedades cometidas contra os prisioneiros.

É incrível a atualidade desse livro escrito há mais de 100 anos. Não é uma leitura fácil para o vocabulário dos dias de hoje e exigirá uma imersão no universo de Lima Barreto e sua época. Seu personagem é o próprio slogan do “sou brasileiro e não desisto nunca”, um indivíduo cuja essência deveria ser injetada nas veias da maioria dos nossos representantes que estão em Brasília.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Pátio externo da Escola de Teatro da UFBa.
Data: 07/07/2016

domingo, 15 de maio de 2016

QUEBRA DE CONFIANÇA


Ultimamente Harlan Coben (1962) tem sido responsável por noites insones, quando começamos a leitura de um livro seu só conseguimos parar quando estamos na última página. Depois que li os primeiros quatro livros que estão catalogados como independentes: Não Conte a Ninguém, Confie em Mim, Seis Anos Depois e Desaparecido para Sempre, todos já comentados aqui no blog, iniciei a leitura da série Myron Bolitar pelo primeiro livro lançado em 1995 nos EUA, título do post.

Na metade do livro fiquei com a impressão de que o autor já tinha a intenção de escrever uma série e não acredito que isso aconteceu por acaso. Myron Bolitar é um personagem construído para ser carismático e um tanto quanto enigmático. Talvez por essa razão quando o livro começa ele já está na profissão de agenciador de talentos esportivos há dois anos. Sua carreira como jogador de basquete já está encerrada, fato que é explicado ao longo do livro, entretanto suas passagens como advogado e membro do FBI são apenas citadas sem maiores detalhes. Há um breve relato contando como conheceu seus dois fiéis companheiros: Win, o excêntrico milionário, e Esperanza, ex-lutadora e atual secretária. O mesmo não acontece com a personagem Jessica, o autor cita que já foram namorados, mas não esclarece porque terminaram embora fique claro que ainda nutrem uma forte atração um pelo outro.

Myron está prestes a fechar o primeiro contrato num clube de elite para Christian Steele, um quarterback promissor para o mundo milionário do futebol americano. Só que o jovem é atormentado pelo desaparecimento de sua namorada Kathy Culver há mais de um ano e a polícia não tem pistas do caso. Tudo piora quando Christian recebe o exemplar de uma revista pornográfica cujo anúncio de sexo por telefone aparece com uma foto de Kathy. Para enrolar mais a situação o pai de Kathy, Adam Culver, é assassinado numa tentativa de assalto muito suspeita. Jessica, filha de Adam e irmã de Kathy, tem certeza que as duas mortes estão relacionadas e isso faz com que se reaproxime de Myron.

A trama é muito bem amarrada exceto por um fio solto que não sei se será resolvido no livro seguinte, o personagem Chaz Landreaux fica sem final. A última citação ao seu nome é feita na página 232 quando Myron entra no escritório e pergunta a Esperanza: Conseguiu falar com o Chaz? E ela responde: Ainda não. Mas isso é só um detalhe já que é uma história paralela. A trama principal sobre o mistério de Kathy Culver é desvendada aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo e me deixou sem fôlego, tanto que reli as últimas trinta páginas só para saber se tinha entendido tudo por causa da velocidade que li na primeira vez.

Vale aqui uma ressalva para a construção da dupla Myron e Win, eles são imbatíveis nos quesitos: carisma, sarcasmo, companheirismo e boas piadas. Preste bem atenção em Win, por trás da aparência frágil, loira e quase pueril existe um ninja que não perdoa seus inimigos.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Shopping Passeo, 1o andar em frente a sorveteria.
Data: 25/06/2016

domingo, 8 de maio de 2016

DOROTÉIA


Muitos anos já se passaram desde que assisti pela primeira vez à peça Dorotéia, escrita em 1949 pelo lendário Nelson Rodrigues (1912-1980), e lembro muito bem que na última montagem que vi em São Paulo todos os papéis eram interpretados por homens e a única mulher em cena era a personagem principal: Dorotéia. Entre as apresentações da obra no teatro e a leitura em livro existe uma enorme diferença. Nos palcos vi a encenação dos diretores e a leitura da obra foi entre o autor e eu, isso me fez compreender coisas que passaram despercebidas nas versões para os palcos.

Ainda hoje acho a obra de Nelson Rodrigues genial, consegui assistir a montagens de quase todas as suas obras para o teatro, algumas eu vi também em filmes e na TV com boas adaptações, mas a leitura física das obras desse autor é muito enriquecedora. Sua capacidade de esmiuçar o cotidiano suburbano da classe média e expor as mazelas, preconceitos e sexualidades fora das quatro paredes do quarto de certa forma fez o público debater-se entre a curiosidade e a aversão. Em se tratando de Dorotéia essa aversão ficou nítida e seus críticos mais vorazes afiaram as garras para desmerecê-la.

Com a morte do seu filho Dorotéia pede abrigo na casa das primas: D. Flávia, Carmelita e Maura, três viúvas puritanas e feias, todas acometidas pela sina que as mulheres da família devem ter: a náusea sentida em sua noite de núpcias que às fará renegar o sexo para sempre, e a falta de visão do masculino já que nenhuma delas é capaz de ver um homem. Dorotéia é o oposto de tudo isso, de uma beleza exuberante ela não sente a náusea pelo sexo ou a falta de visão do masculino e por isso é tratada como prostituta. Para ser aceita na casa ela deve enfeiar-se e renegar a vida passada. Todas devem padecer do mesmo mal que evoca o sexo, a culpa e a morte, e todas se vigiam e serão vigiadas, principalmente por D. Flávia que é a mais velha e a única a ser chamada de Dona. Elas vivem numa casa que não possui quartos, só salas, impossibilitando a intimidade, os segredos de alcova, o amor e a sexualidade.

D. FLÁVIA - Porque é no quarto que a carne e a alma se perdem... Esta casa só tem salas e nenhum quarto, nenhum leito... Só nos deitamos no chão frio do assoalho...

Passados muitos anos desde a morte de Nelson Rodrigues costumo pensar que, se vivo fosse, ainda teria a capacidade de chocar as pessoas com seus escritos. Eu, na minha mais humilde opinião, acredito que não. Mudaram os costumes, embora a hipocrisia permaneça, a internet nos brinda com novidades diárias e, para mim, o ataque às Torres Gêmeas em 2001 vai ser difícil de ser superado.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Praça do Campo Grande - Banco perto do parquinho.
Data: 04/06/2016

domingo, 1 de maio de 2016

DE VOLTA À CABANA


Reza a lenda que William P. Young escreveu o livro A Cabana para exorcizar dores vividas na infância. Fez quinze cópias e presenteou amigos no Natal de 2005, mais de dez anos depois quase quinze milhões de cópias foram feitas, vendidas, e o livro tornou-se um best seller. Diante de tamanho sucesso é óbvio que outros livros surgiriam no rastro assim como aconteceu com o bruxo Harry Potter, os vampiros da saga Crepúsculo e as versões inspiradas no sucesso de Cinquenta Tons de Cinza, três exemplos aleatórios.

Apesar de ter lançado outros livros William não alcançou o mesmo patamar em vendas do primeiro, como aconteceu com Paulo Coelho depois do estrondoso sucesso de Diário de um Mago. Mas isso não impediu que outros autores lançassem suas versões da obra, assim como ocorreu com Dan Brow e seu livro O Código Da Vinci, cuja obra foi esmiuçada em diversos outros livros. Nesse contexto A Cabana não passaria incólume. E não estou desmerecendo quem o faz, ou já fez, lançar livros que comentam uma obra rende algum dinheiro e, dependendo da forma como se faz, também rende algum prestígio.

De Volta à Cabana é um exemplo de livro que comenta outro livro, e esse tem o respaldo do autor do primeiro, William P. Young escreve o prefácio recomendando a leitura da obra escrita pelo teólogo C. Baxter Kruger. O livro tem a função de esmiuçar de forma mais acadêmica os fatos relatados pelo personagem Mackenzie, seu caminho para o perdão, a reconciliação com o ‘Divino’ e consigo mesmo. Cabe ressaltar que se você não leu A Cabana será complicado acompanhar algumas passagens e referências do livro comentado.

Não sou um cético, mas também não sou daqueles que se deixa levar pelas primeiras palavras bonitas que ouve. Me emocionei lendo A Cabana e acredito que isso me levou a ler esse livro. O autor até tenta aprofundar o recurso da Santíssima Trindade usado no livro original, mas se você está buscando respostas, esqueça, este livro também não responderá as perguntas deixadas em A Cabana. É muito filosófico ficar discutindo o comportamento do ser humano face às dores e tragédias da vida e sua capacidade de regeneração diante das desilusões. Essas respostas surgirão de diferentes formas e o impacto individual vai depender do momento de vida de quem o lê.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Temaqueria - Restaurante Shiro
Data: 28/05/2016