Ainda hoje acho a obra de Nelson Rodrigues genial,
consegui assistir a montagens de quase todas as suas obras para o teatro, algumas
eu vi também em filmes e na TV com boas adaptações, mas a leitura física das
obras desse autor é muito enriquecedora. Sua capacidade de esmiuçar o cotidiano
suburbano da classe média e expor as mazelas, preconceitos e sexualidades fora das
quatro paredes do quarto de certa forma fez o público debater-se entre a
curiosidade e a aversão. Em se tratando de Dorotéia essa aversão ficou nítida e
seus críticos mais vorazes afiaram as garras para desmerecê-la.
Com a morte do seu filho Dorotéia pede abrigo na casa das
primas: D. Flávia, Carmelita e Maura, três viúvas puritanas e feias, todas
acometidas pela sina que as mulheres da família devem ter: a náusea sentida em
sua noite de núpcias que às fará renegar o sexo para sempre, e a falta de
visão do masculino já que nenhuma delas é capaz de ver um homem. Dorotéia é o oposto de
tudo isso, de uma beleza exuberante ela não sente a náusea pelo sexo ou a
falta de visão do masculino e por isso é tratada como prostituta. Para ser
aceita na casa ela deve enfeiar-se e renegar a vida passada. Todas devem
padecer do mesmo mal que evoca o sexo, a culpa e a morte, e todas se vigiam e serão
vigiadas, principalmente por D. Flávia que é a mais velha e a única a ser
chamada de Dona. Elas vivem numa casa que não possui quartos, só salas,
impossibilitando a intimidade, os segredos de alcova, o amor e a sexualidade.
D. FLÁVIA - Porque é no quarto que a carne e a alma se
perdem... Esta casa só tem salas e nenhum quarto, nenhum leito... Só nos
deitamos no chão frio do assoalho...
Passados muitos anos desde a morte de Nelson Rodrigues costumo
pensar que, se vivo fosse, ainda teria a capacidade de chocar as pessoas com
seus escritos. Eu, na minha mais humilde opinião, acredito que não. Mudaram os
costumes, embora a hipocrisia permaneça, a internet nos brinda com novidades
diárias e, para mim, o ataque às Torres Gêmeas em 2001 vai ser difícil de ser superado.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Praça do Campo Grande - Banco perto do parquinho.
Data: 04/06/2016
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