domingo, 27 de março de 2016

O ROMANCE D'A PEDRA DO REINO


Tive a oportunidade de ouvir Ariano Suassuna (1927-2014) numa palestra pouco antes do seu falecimento e me emocionei ao ver aquele senhor ser conduzido por um acompanhante até a cadeira no centro do palco, após sentar-se, humildemente agradeceu às mil e quinhentas pessoas que foram ouvi-lo dizendo: “Obrigado por vocês terem vindo, se fosse eu não viria, ficaria em casa vendo a novela que tá muito boa.” A plateia explodiu em gargalhadas e eu secretamente contive as lágrimas que enchiam meus olhos. Acho sensacional quando temos a oportunidade de ouvir uma pessoa que permeou nossa vida, mesmo que longinquamente.

A primeira vez que li O Auto da Compadecida tinha treze anos, leitura obrigatória por causa de um trabalho na escola, eu não consegui perceber a dimensão da importância de Ariano e nem sequer gostei do livro. Achei por demais fantasioso e de vocabulário rebuscado até para mim, nordestino que sou, acostumado com o palavreado do sertão. Anos depois e já envolvido no universo literário comprei através do Círculo do Livro a obra O Romance D’a Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, título completo, publicado pela primeira vez em 1971. Nessa edição de capa dura a obra possui 642 páginas e eu tenho que confessar que não consegui ler até o fim, o livro amargou anos com o marcador na página 331 até que em 2007 a rede Globo anunciou a adaptação da obra para uma microssérie dirigida pelo Luiz Fernando Carvalho. Me empolguei em recomeçar a leitura e dessa vez fui até o fim.

A história de Dom Pedro Diniz Quaderna não é contada linearmente, são histórias dentro das histórias que, por sua vez, migram para outras histórias e voltam para história anterior que liga tudo num romance que não é romance. Não pode ser categorizado de forma tão simplista. É também uma novela de cavalaria, música de cordel, epopeia de amor, ódio e sangue. É também comédia, há trechos bem engraçados nas discussões entre o fidalgo Samuel e o tapuia Clemente, e é claro que temos um pouco de picardia e tragédia nessa família cuja história nasce na cidade de São José do Belmonte, fruto da mente genial de Ariano.

No prefácio, escrito por Rachel de Queiroz, você tem uma boa dica para ler o livro até o fim. Ela diz: "Ler livro escrito por um erudito é o diabo. Ou você eleva seu pensamento ao nível do visionário e delirante Quaderna (e da genialidade de seu autor), ou deixará a leitura inacabada." E eu, na minha infinita insignificância, lhes dou outra dica: não é um livro para ler às pressas ou de qualquer jeito. É uma obra que exigirá tempo, e não só o tempo traduzido em número de horas de leitura, mas o tempo de decifrar as palavras, entender o seu contexto e entregar-se ao mundo mágico de Ariano Suassuna.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Doces Sonhos - Pituba - Mesa 3
Data: 23/04/2016

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