A primeira vez que li O Auto da Compadecida tinha treze
anos, leitura obrigatória por causa de um trabalho na escola, eu não consegui
perceber a dimensão da importância de Ariano e nem sequer gostei do livro.
Achei por demais fantasioso e de vocabulário rebuscado até para mim, nordestino
que sou, acostumado com o palavreado do sertão. Anos depois e já envolvido no
universo literário comprei através do Círculo do Livro a obra O Romance D’a
Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, título completo, publicado
pela primeira vez em 1971. Nessa edição de capa dura a obra possui 642 páginas
e eu tenho que confessar que não consegui ler até o fim, o livro amargou anos
com o marcador na página 331 até que em 2007 a rede Globo anunciou a adaptação
da obra para uma microssérie dirigida pelo Luiz Fernando Carvalho. Me empolguei
em recomeçar a leitura e dessa vez fui até o fim.
A história de Dom Pedro Diniz Quaderna não é contada
linearmente, são histórias dentro das histórias que, por sua vez, migram para
outras histórias e voltam para história anterior que liga tudo num romance que
não é romance. Não pode ser categorizado de forma tão simplista. É também uma
novela de cavalaria, música de cordel, epopeia de amor, ódio e sangue. É também
comédia, há trechos bem engraçados nas discussões entre o fidalgo Samuel e o
tapuia Clemente, e é claro que temos um pouco de picardia e tragédia nessa
família cuja história nasce na cidade de São José do Belmonte, fruto da mente
genial de Ariano.
No prefácio, escrito por Rachel de Queiroz, você tem uma
boa dica para ler o livro até o fim. Ela diz: "Ler livro escrito por um erudito
é o diabo. Ou você eleva seu pensamento ao nível do visionário e delirante
Quaderna (e da genialidade de seu autor), ou deixará a leitura inacabada." E eu,
na minha infinita insignificância, lhes dou outra dica: não é um livro para ler
às pressas ou de qualquer jeito. É uma obra que exigirá tempo, e não só o tempo
traduzido em número de horas de leitura, mas o tempo de decifrar as palavras,
entender o seu contexto e entregar-se ao mundo mágico de Ariano Suassuna.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Doces Sonhos - Pituba - Mesa 3
Data: 23/04/2016