domingo, 28 de fevereiro de 2016

TARJA PRETA


Quando morava em São Paulo gostava de passear pela Fnac que fica localizada no bairro de Pinheiros, num desses passeios me deparei com um livro que tinha um título inusitado e uma lista de autores. Ir à livraria era um programa perfeito para um final de tarde de sábado, três andares de pura diversão e um café no térreo para começar a folhear e ler os livros comprados. Então, com um café Machiatto, meu preferido, uma cesta de pão de queijo, um strüdel de maçã, e meu exemplar recém adquirido de Tarja Preta às mãos, devorei tudo, inclusive o primeiro conto intitulado Frontal com Fanta de autoria do Jorge Furtado, os demais eu li ainda no mesmo fim de semana porque o livro tem apenas 176 páginas.

O livro é composto por sete contos, escritos por sete autores diferentes: Jorge Furtado, citado acima, Pedro Bial, Adriana Falcão, Jorge Mautner, Luiz Ruffato, Márcia Denser e Isa Pessôa, com um elo em comum: medicamentos controlados, mais conhecidos como ‘tarja preta’, aqueles que o farmacêutico retém a receita médica e são vendidos com o controle do CPF do paciente. Mas, longe de qualquer apologia, os contos são bem distintos e preservam as características dos seus autores, nem todos são bons já vou logo adiantando, mas nada de usar isso como desculpa para não ler o livro.

Pedro Bial (1958) conta uma história cujo protagonista deu o nome dos remédios preferidos para seus jogadores do time de futebol de botões. Adriana Falcão (1960), muito boa, escreve a história de uma serial killer que toma remédios e tem conversas hilárias com seu próprio cérebro. O Luiz Ruffato (1961) lança mão de uma crônica denúncia quando conta a história da mulher que vai ao hospital com um histórico de traições e violência doméstica sofridas por causa do marido alcóolatra e sai de lá com um “remedinho” para autoestima. Jorge Mautner (1941) vai para a terapia quando conta a história de um casal em busca de uma felicidade sempre constante e plena que desaba numa viagem quase lisérgica dos personagens.

Recentemente fui assistir ao filme Boa Sorte da cineasta Carolina Jabor, protagonizado por uma surpreendente Deborah Secco, quando li nos créditos que o roteiro do filme foi inspirado no conto do Jorge Furtado (1959) que mencionei no primeiro parágrafo. Que me perdoem os demais autores de Tarja Preta, mas o conto Frontal com Fanta é o melhor. Isso na minha mais humilde opinião de leitor leigo que nunca tomou um tarja preta na vida. Pelo menos até hoje.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Av. Centenário - Ponto de ônibus
Data: 02/04/2016

domingo, 21 de fevereiro de 2016

GAROTA EXEMPLAR


No início de 2015 saiu a lista dos filmes que estavam indicados ao Oscar 2015 e dentre as indicações para Melhor Atriz estava Rosamund Pike pelo filme Garota Exemplar. Numa reportagem sobre o filme descobri que seu roteiro fora adaptado do livro homônimo pela própria autora. Confesso que isso aguçou minha curiosidade pela obra que eu já havia visto nos sites de livrarias. Como não houve indicação do filme para a categoria Melhor Roteiro Adaptado e a Rosamund Pike não ganhou o Oscar, decidi que só assistiria ao filme depois de ler o livro que a essa altura já estava na casa dos seis milhões de exemplares.

Comprei o livro meses depois numa liquidação e foi uma grande surpresa face aos comentários pouco elogiosos que ouvi sobre o filme, e que, acreditem, ainda não assisti. Gosto de me render a boas histórias e a autora Gillian Flynn (1971) faz do seu livro um best seller daqueles que você esquece de comer, dormir, e leva o livro até para o chuveiro. A história de Amy e Nick narrada ora por um e ora por outro, em capítulos alternados, conseguiu a proeza de me prender desde o início, a partir da página cinquenta eu já estava entregue e à medida que lia me envolvia mais e mais.

Amy é a garota exemplar, foi feita de objeto pelos pais psicólogos que publicaram livros contanto sua vida e expuseram sua infância e adolescência para uma multidão de aficionados que compravam os livros da série. Amy cresceu e o público perdeu o interesse pelos livros que seus pais escreviam. Nick nasceu minutos antes de sua irmã gêmea Margo e foi mimado, paparicado e embalado pela sua família. Amy e Nick se conhecem, casam-se e vivem suas vidas até que a recessão lhes tira o emprego e a mãe de Nick é diagnosticada com câncer. Nick usa essa desculpa como mote para sair de Nova York e voltar a morar em North Carthage, Missouri, sua cidade natal, o casamento estava desintegrando. No dia do aniversário de cinco anos de casados, bodas de madeira, Amy desaparece e várias evidências apontam Nick como culpado. Mas será que ele assassinou Amy, a garota exemplar? O pior é que ele é um babaca, mente para a polícia, esconde fatos, e só ajuda a incriminar-se ainda mais.

Mas engana-se o leitor que pensar tratar-se de mais um livro de crime e castigo, é muito mais que isso, Amy e Nick são duas mentes doentes em diferentes níveis, precisam um do outro para sentirem-se motivados e atormentados, cada um cumprindo seu papel na frente das câmeras de TV. Por diversas vezes parei de ler completamente estupefato pelo que se revelavam os capítulos. Hoje vivo num mix de emoções: tenho medo da autora, penso nela como uma desequilibrada mental e acho que seu marido devia repensar a relação, mas também estou ansioso para ler seu próximo livro. No fim das contas talvez o louco aqui seja eu.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de ônibus em frente à Sala de Arte - Cinema da Ufba
Data: 26/03/2016

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O BANGALÔ


Numa fase de minha vida que já relatei aqui no blog eu lia qualquer coisa, e quando escrevo as palavras ‘qualquer coisa’ não o faço no sentido pejorativo. Não eram os grandes clássicos, mas livros populares vendidos nas bancas de revista cujo preço eu podia pagar, estou me referindo à série de livros Júlia, Sabrina e Bianca cujas histórias de amor rocambolescas, passadas em castelos, ilhas ou paisagens paradisíacas, variavam sempre entre uma mulher pobre que se apaixonava por um homem rico ou vice versa.

Apesar de achar as narrativas por vezes muito pobres eu gostava de imaginar os autores debruçados em suas máquinas de escrever, único recurso da época ainda sem computadores, transpondo para o papel uma quantidade sem fim de romances ambientados em lugares exóticos, com passagens sofridas e o amor vencendo nos finais. Nesses livros a autoria das histórias não aparecia com o destaque merecido e posso até apostar que eram todos pseudônimos. Eu, canceriano que sou, gosto de um bom romance, mas acima de tudo gosto de uma história bem contada.

É como vejo a escritora Sarah Jio (1978) e seus livros. O Bangalô, que irei abandonar, faz parte de uma evolução das histórias contadas nas séries Júlia, Sabrina e Bianca. Já na capa a editora providencia um verbete que diz “Quanto tempo você está disposto a esperar por sua felicidade?” Agora é só começar a ler a primeira das 314 páginas para deparar-se com um segredo, uma carta recebida que trará recordações mais de cinquenta anos depois de vividas. Uma senhora, Anne, conta para sua neta, Jennifer, o que aconteceu em sua vida quando tinha apenas 21 anos, ia casar-se com um homem bom, tinha a segurança da família em Seattle, mas resolve seguir os passos da melhor amiga Kitty e alistar-se como enfermeira voluntária para a base aliada situada na ilha de Bora Bora durante a Segunda Guerra Mundial.

Chegando à ilha ela vai conhecer uma realidade dura e inóspita durante o período de guerra, mas também conhecerá Westry, um soldado que despertará em Anne sentimentos ainda não vividos dentro de um bangalô escondido numa praia deserta. Idas e vindas, tarefas da guerra, mal entendidos, segredos, traições e o assassinato de uma nativa serão explicados mais de cinquenta anos depois. Os românticos de plantão irão suspirar ao final.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Mezanino restaurante Raízes - Shopping Barra
Data: 26/03/2016

domingo, 7 de fevereiro de 2016

GREY


Faz algum tempo que estou aqui parado sem saber o que escrever sobre o livro citado no título deste post e isso é raro de acontecer. Não tenho pretensão de ser a nova Mãe Dináh ou tão famoso quanto Walter Mercado, mas escrevi aqui no blog em junho de 2014, no post ‘Cinquenta Tons de Liberdade’ que era bem provável que a escritora E. L. James (1963) ainda abocanhasse uns trocados lançando a versão de Cristian Grey para a saga Cinquenta Tons, no último livro havia um capítulo inteiro com a versão dele para o primeiro encontro com Anastacia Steele. E não é que dois anos depois lá está ele nas livrarias com todo o alarde que a editora pôde pagar para o lançamento.

É óbvio que ninguém me obrigou a ler o livro, muito menos a compra-lo, mas quem me conhece sabe que eu não ia resistir à curiosidade de ler o que ainda poderia render da história de amor e fantasias BDSM soft sob a perspectiva de Christian Gray. Nos três livros da série li sobre todas as inseguranças, questionamentos e devaneios românticos de Anastacia, o Christian aparecia nos diálogos, e-mails, SMS, e nas ações que ambos faziam juntos. Nesse novo volume eu li sobre todas as inseguranças, questionamentos e devaneios antirromânticos que o Christian viveu nos momentos que não estavam juntos e Anastacia tem voz somente nos e-mails, mensagens de SMS e nos diálogos copiados do primeiro livro.

Pelo menos para mim esse livro serviu para mostrar o quanto Grey é doente, uma alma atormentada, prepotente disfarçado e bom moço com suas ações para abrandar a fome mundial ou a ajuda que proporciona aos poucos eleitos do seu séquito de empregados. Mesmo vestindo essa capa sedutora de luxos e benesses que o dinheiro pode comprar Grey se mostra extremamente machista, possessivo, subjugando a mulher como objeto de prazer sexual.  Na minha mais modesta opinião nem seu passado obscuro justifica esses atos. Fantasias sexuais todos nós temos, é uma forma de amainar o entediante “sexo baunilha”, mas imprimir dor na pessoa amada e sentir prazer com isso deve ser passível de tratamento.

Acredito que E. L. James trabalhou muito para escrever esse volume e a ideia é boa, contar a mesma história sob a ótica de outro personagem, ser fiel à primeira obra e ainda por cima buscar o ineditismo dos acontecimentos. Confesso que por breves momentos dei algumas risadas com a nova versão, principalmente na relação de Christian com seus fiéis empregados e o comportamento deles face ao atendimento inquestionável dos seus desejos.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Passeio Público - banco próximo à entrada do Teatro Vila Velha
Data: 25/03/2016