domingo, 25 de outubro de 2015

DANCE DANCE DANCE


Um dia recebi uma mensagem do meu amigo gaúcho-paulistano Roberto Camargo que dizia: “Estou devorando Dance Dance Dance do Haruki Murakami”. Roberto é um desbravador de cultura e graças às suas indicações conheci cantoras como Stacey Kent e Melody Gardot, li Trem Noturno para Lisboa e A Elegância do Ouriço, que já comentei aqui no blog. Nossa sintonia vem desde os tempos da Terça Insana, às vezes o Roberto lia pra mim os textos que escrevia para o seu Mestre de Cerimônias e ficávamos horas e horas às gargalhadas reescrevendo o texto. Guardo com todo carinho o Troféu Terça Insana de Humor - 2003, pelo trabalho de coautoria, e tenho muito orgulho em ver meu nome citado nos agradecimentos nos dois dvds que a Terça lançou. Era divertido esse convívio quando morei em São Paulo e mantivemos nossa amizade intacta mesmo depois que mudei para Salvador.

É claro que comprei imediatamente o livro do Haruki Murakami (1929), mas, ao contrário do Roberto, levei quase um mês para lê-lo na íntegra. Murakami tem os dois pés no realismo fantástico kafkiano, nos seus escritos tudo é referência: comida, roupas, casas, bebidas e principalmente as músicas. Seu personagem principal é um escritor freelance de artigos para revistas, principalmente gastronômicas, que se auto define um ‘limpa-neve cultural’. O protagonista tenta achar uma antiga namorada chamada Kiki que sumiu quando ambos estavam hospedados no Hotel do Golfinho. Nessa busca por Kiki ele se envolverá com uma garota clarividente e sua excêntrica família, um ator canastrão, garotas de programa, revisitará um personagem do livro anterior, o Homem Carneiro, e, por fim, conhecerá o amor verdadeiro. A partir daí vivenciará a ansiedade da possível perda desse amor para a efemeridade da vida.

Murakami não é econômico e seu personagem narrador não se furta em descrever tudo que vê. Como são as pessoas e o que elas vestem, relata suas refeições, o que bebe, lê e ouve. E foi aí que o livro me pegou porque sou fascinado por descrições. Quando alguém me conta uma história fico questionando para saber como estavam vestidos, como era o ambiente, o que comeram e por aí vai. Para mim isso é essencial para que eu possa ouvir a história e fotografar a cena na minha cabeça. Nesse momento as citações musicais, que são muitas, assim como bebe em demasia e gosta de cozinhar sua própria refeição, o protagonista ouve música o tempo todo e nos diz exatamente o que está ouvindo. Em vários momentos fui procurar na internet a música citada para ouvir enquanto lia. Agora que você já tem certeza que sou louco eu te devolvo a constatação, quem não o é, mesmo que secretamente?

Dance Dance Dance não é um livro fácil, vai exigir uma boa dose de dedicação para vencer as 492 páginas. Mesmo sendo um universo totalmente japonês você se sentirá inserido num contexto universal. Pense globalmente e escreva localmente é um estilo muito utilizado em nossa literatura contemporânea. Afinal, um Maserati conversível, um casaco Adidas, um Dunkin Donut’s e a música do Talking Heads serão exatamente os mesmos em qualquer lugar do mundo.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Solar Café - Palacete das Artes
Data: 02/01/2016

domingo, 18 de outubro de 2015

TUDO QUE EU QUERIA TE DIZER


Conheci a autora Martha Medeiros (1981) através do teatro. Lília Cabral arrastava multidões ao teatro para assisti-la em Divã e eu fui um desses espectadores que torceram pela libertação de Mercedes. Mas tarde fui arrebatado pela atuação de Ana Beatriz Nogueira na peça Tudo Que Eu Queria Te Dizer. Quando descobri que as duas peças eram adaptações de livros da mesma autora comecei a ler suas obras publicadas: poesia, crônica e romance. Mas confesso que não gosto de tudo, prefiro as crônicas, acho que Martha é boa nisso e nesses sucintos textos consegue extrair a essência e a emoção da vida.

O livro Tudo Que Eu Queria Te Dizer me pegou logo de cara, talvez porque sou do tempo das cartas escritas à mão, envelopadas, seladas e enviadas pelo correio. Levaria uns três dias para que o destinatário lesse minhas palavras, dependendo do endereço esse prazo poderia ser estendido para mais de uma semana. O cuidado que eu tinha em comprar o papel colorido, a caneta de tinta nanquim, de fazer colagens com recortes de revista, expressavam meu carinho para com o outro. Também não sei se o livro me abocanhou pelo tema, coisas que gostaríamos de dizer e não temos coragem de fazê-lo pessoalmente, mas precisamos dizer e a carta é a forma de revelar o sentimento sem estar necessariamente ao lado de quem queremos falar. Expressar-se é difícil, e falar de sentimentos olho no olho é mais difícil ainda, dizer ‘eu te amo’ ou ‘me perdoe’ para alguns é quase impossível, mas, ao escrever essas palavras podemos mudar o rumo de nossas vidas.

O livro é exatamente sobre isso, cartas. São pessoas que escrevem para desabafar, matar as saudades, pedir perdão, exorcizar sentimentos e prazeres encobertos. Parecem cartas reais já que trazem os sentimentos comuns das pessoas e nisso Martha é uma mestra, ela sabe como emocionar de forma simples e direta. Seus personagens trazem essa verdade de quem precisa dar uma virada, por isso são cartas reveladoras, de despedida, que passam uma situação a limpo. A amante enviando uma carta para a esposa traída, o jovem que escreve para a mãe do amigo que ele matou num acidente, a esposa que ganha a vida como prostituta, a viúva que descreve a saudade daquele que se foi, como observadora atenta do cotidiano Martha consegue colocar um pouco de nós mesmos em cada texto.

Mas não se engane o leitor, nem só de dramas vive o mundo e as cartas também soam engraçadas. Como a da mulher que escreve para seu demônio interior por querer livrar-se do “coisa-ruim” que ela sente existir e a atormenta. Bem divertido é ler a resposta do “coisa-ruim” para ela.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Pátio do Museu Palacete das Artes
Data: 02/01/2016

domingo, 11 de outubro de 2015

O ESTRANGEIRO


Quando li O Estrangeiro pela primeira vez eu tinha vinte anos, era um ávido leitor por obras que mostrassem o caminho para o sentido da vida, e na época Albert Camus (1913-1960) já era considerado um autor controvertido, revoltado, existencialista, comunista e até um pouco reacionário. Confesso que sua obra me pareceu confusa, desprovida de sentimentos, e ao mesmo tempo muito visceral. Contraditória a percepção dos sentimentos por um jovem de vinte anos em 1983. Quando já tinha mais de quarenta anos reli a obra e percebi como é fantástica a sua narrativa e o quanto Mersault, o anti-herói de O Estrangeiro, personifica a busca pelo existencial, jogando fora o sentimentalismo e as tradições para ser ele mesmo, o ser sozinho.

“Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: ‘Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos.’  Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.”

Esse é o primeiro parágrafo do livro, o protagonista recebe um comunicado sobre o falecimento de sua mãe, viaja para o enterro e durante a cerimônia não consegue expressar nenhuma emoção. O livro prossegue com os fatos seguintes de sua vida, ele conhece um dos vizinhos de nome Raymond e o ajuda a livrar-se de uma de suas amantes árabes. Ambos se encontram com o irmão da mulher “o árabe” e após uma briga Raymond é ferido. Meusault volta à praia e atira no árabe. Durante seu julgamento a acusação concentra-se no fato de Meusault não ter conseguido chorar no velório da mãe, acusando-o de ser incapaz de sentir remorsos e por isso deve ser condenado à morte para prevenir que mate outras pessoas e também para tornar-se um exemplo. Nas linhas finais Meursault reconhece sua insignificância perante a indiferença do universo em relação a ele, e deseja sentir-se menos só.

Estamos falando de uma obra escrita em 1942, mais de setenta anos depois de sua publicação ela consegue nos instigar e questionar. Até hoje é discutida por acadêmicos, assim como outros livros do autor: A Peste e A Queda, e as peças de teatro Calígula e Estado de Sítio.

E aqui faço outra confissão, vou precisar ler novamente esse livro quando estiver mais velho. Se der tempo de ler, e tomara que sim, já que tantos livros ainda esperam na estante por um pouco da minha atenção.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Mezanino da G1 - Shopping Barra
Data: 02/01/2016

domingo, 4 de outubro de 2015

MORTE NO NILO


Em sua autobiografia Agatha Christie (1890-1976) nos conta que sua mãe, Clara, era uma mulher muito tímida que vivia à sombra do marido Frederick, um rico empresário que estava sempre viajando. Seus irmãos mais velhos tiveram uma educação formal, mas a caçula Agatha foi educada precocemente pela mãe que lia muitos livros para a filha, o que era uma distração para ambas. Entre seus autores preferidos estavam Charles Dickens, Alexandre Dumas e Jane Austen, tanto Aghata quanto Madge, sua irmã mais velha, adoravam histórias de detetives, não à toa a futura escritora leu a primeira história de Sherlock Holmes aos oito anos de idade e na mesma época passou a ler também as obras de Edgar Allan Poe.

Aos dezessete anos, após ler O Mistério do Quarto Amarelo de Gaston Leroux, Agatha diz para sua irmã que poderia escrever uma história de detetive e óbvio que a irmã duvidou. Agatha confessa que foi aí que a semente foi plantada, ela havia sido desafiada e atingida pela determinação de escrever histórias policiais. Em 56 anos de carreira publicou mais de 80 livros, fora as peças para o teatro e as adaptações cinematográficas e televisivas protagonizadas pelo detetive Hercule Poirot, seu personagem famoso pelo bordão do uso das ‘células cinzentas’, e Miss Marple, a solteirona que gostava de observar a natureza humana e assim conseguia desvendar os mistérios mais obscuros.

O livro Morte no Nilo foi publicado em 1937, conta a história de Linnet Ridgeway, jovem herdeira e inteligente que não pensou duas vezes ao roubar o noivo de sua melhor amiga e casar-se com ele. Mas talvez Linnet tivesse ido longe demais. Viajando em lua de mel num cruzeiro pelo rio Nilo é assassinada com um tiro na cabeça. O detetive Hercule Poirot, que por acaso também estava no navio gozando de merecidas férias, entra em ação para desvendar mais esse mistério e começa a montar um verdadeiro quebra-cabeças. Seria também por acaso que neste mesmo navio estavam viajando uma série de antagonistas interessados na fortuna de Linnet e em provocar sua infelicidade?

No post da semana passada falei sobre George Simenon, outro grande autor de livros policiais, mas não o compare com Agatha Christie, são estilos completamente diferentes que só enriquecem a nós, seus leitores.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Estacionamento Perini - Graça
Data: 20/12/2015