Confesso aqui aos meus leitores que passei muito tempo
sem conseguir ler William Shakespeare (1564-1616). Sua intrincada verborragia e
maneirismos dificultam o entendimento da obra que já foi traduzida por inúmeros
profissionais, algumas de forma bem tosca, excluído passagens e reduzindo o
número de páginas para tornar a leitura mais “fácil”. Só esqueceram de avisar o
autor do corte na sua obra, até porque ele já tinha morrido. E quem lhes deu
esse direito, quem autorizou a exclusão de passagens de um livro durante a
tradução do mesmo? Como não sei ler em inglês para aventurar-me nos escritos
originais, a obra desse autor tão celebrado ficava sempre para mais tarde, até
que descobri o teatro.
Então cabe outra confissão aos meus leitores, foi o
teatro que me ajudou a entender e me aproximou desse legado. Primeiro um Romeu
e Julieta montado pelo Grupo Galpão que assisti na década de noventa do século
passado no Teatro Castro Alves. Depois tive a oportunidade de assistir ao
saudoso Raul Cortez interpretando Rei Lear quando já morava em São Paulo, lugar
onde também iria assistir uma montagem de Ricardo III com Marco Ricca no papel
principal e posteriormente uma excelente encenação de Hamlet, cuja
interpretação visceral de Wagner Moura dividiu opiniões.
Guardo lembranças marcantes de todas essas montagens, em
especial de Ricardo III cuja tradução e adaptação da obra foram feitas pelo Jô
Soares, e na saída do teatro eu comprei o livro com o texto da peça na versão
encenada. Após a leitura dessa versão feita para o teatro fiquei tão fascinado
pelo personagem exagerado na sua feiura e maldade pessoal, carregado de
ressentimentos e ódios à flor da pele, que faria de tudo para ocupar o lugar de
Rei, fui buscar o livro, com a tradução de Ana Amélia Carneiro de Mendonça,
para beber mais na fonte do autor, celebre pelos seus famosos duelos verbais.
William Shakespeare continuará a ser lido, encenado,
filmado, para todo o sempre. Suas obras são imortais e vão passar por inúmeras
gerações. Muitas vezes a leitura não será por si capaz de nos dar imaginação
suficiente para sua imediata e completa visualização ou compreensão, por isso,
talvez, será necessário que usemos os diretores de teatro e cinema como ponte
para chegar ao deleite de suas palavras. Mas não se engane, serão visões dos
diretores que você estará assistindo, a sua compreensão íntima só virá quando
você fechar a última página da leitura de um livro bem traduzido.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Palacete das Artes - Museu - Banco lateral do jardim
Data: 29/08/2015