Em seu leito de morte o grande crítico gastronômico Pierre
Arthens está obcecado em não partir sem antes lembrar-se de um determinado
sabor, aquele sabor que o enfeitiçara para ser o que é hoje. Com esse mote a
autora irá nos conduzir pelas lembranças do moribundo desde sua infância quando
as artes culinárias da avó despertaram seu paladar. Começando pelos suculentos tomates
colhidos na horta da casa de sua tia, daí vamos para o pãozinho crocante, a
maionese caseira, a descoberta da comida japonesa, uma simples sardinha frita,
o rasgar do primeiro gole do uísque, o inesquecível sobet de laranja, o
aveludado erótico que envolve a deglutição de uma ostra. São capítulos que nos
fazem salivar.
Mas há do lado de fora do quarto onde Pierre agoniza vozes dissonantes.
Sua vida pessoal não é um mar de rosas e a autora enxerta entre um devaneio
culinário e outro os depoimentos da esposa, filhos, amantes, discípulos, empregados
que cercam, ou cercaram, a vida quase egoísta desse homem que tudo sacrificou
pelos prazeres da boa mesa. Alguns sentirão sua falta e outros estão torcendo
para que se vá o mais rápido possível.
Ao terminar o livro fiquei com a mesma sensação do
personagem principal: qual o sabor da minha infância que gostaria de reviver? E
aí me deixei inundar por uma enxurrada de lembranças, desde o sapoti colhido na
árvore centenária do quintal de minha avó, do bolo que minha mãe fazia com uma
cobertura de brigadeiro tão espessa que meu pai chamava de ‘bolo asfalto’, da
sopa de feijão de Jana nossa empregada na infância, da salada de camarão com
manga que tia Liane faz em ocasiões especiais, do beiju com manteiga e açúcar
que minha avó fazia quando chegávamos em São Gonçalo, e por aí vai.
Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Amor aos Pedaços - Salvador Shopping
Data: 21/12/2014
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