domingo, 9 de novembro de 2014

A MORTE DO GOURMET


Da mesma autora eu li A Elegância do Ouriço, um dos meus livros prediletos de 2014. A Morte do Gourmet foi escrito oito antes. O mais interessante de ler a obra de um autor, no caso Muriel Barbery (1969), de forma reversa é descobrir que alguma coisa no livro mais recente já estava presente no livro anterior, só que com mais brilho. A Elegância do Ouriço é um livro melhor, na minha mais humilde opinião estará sempre nas listas de livros para ler antes de morrer. Entretanto A Morte do Gourmet funciona como um trampolim para uma ousada narrativa e o start para um estilo único e próprio da autora.

Em seu leito de morte o grande crítico gastronômico Pierre Arthens está obcecado em não partir sem antes lembrar-se de um determinado sabor, aquele sabor que o enfeitiçara para ser o que é hoje. Com esse mote a autora irá nos conduzir pelas lembranças do moribundo desde sua infância quando as artes culinárias da avó despertaram seu paladar. Começando pelos suculentos tomates colhidos na horta da casa de sua tia, daí vamos para o pãozinho crocante, a maionese caseira, a descoberta da comida japonesa, uma simples sardinha frita, o rasgar do primeiro gole do uísque, o inesquecível sobet de laranja, o aveludado erótico que envolve a deglutição de uma ostra. São capítulos que nos fazem salivar.

Mas há do lado de fora do quarto onde Pierre agoniza vozes dissonantes. Sua vida pessoal não é um mar de rosas e a autora enxerta entre um devaneio culinário e outro os depoimentos da esposa, filhos, amantes, discípulos, empregados que cercam, ou cercaram, a vida quase egoísta desse homem que tudo sacrificou pelos prazeres da boa mesa. Alguns sentirão sua falta e outros estão torcendo para que se vá o mais rápido possível.

Ao terminar o livro fiquei com a mesma sensação do personagem principal: qual o sabor da minha infância que gostaria de reviver? E aí me deixei inundar por uma enxurrada de lembranças, desde o sapoti colhido na árvore centenária do quintal de minha avó, do bolo que minha mãe fazia com uma cobertura de brigadeiro tão espessa que meu pai chamava de ‘bolo asfalto’, da sopa de feijão de Jana nossa empregada na infância, da salada de camarão com manga que tia Liane faz em ocasiões especiais, do beiju com manteiga e açúcar que minha avó fazia quando chegávamos em São Gonçalo, e por aí vai.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Amor aos Pedaços - Salvador Shopping
Data: 21/12/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário