domingo, 26 de abril de 2015

O RÉU E O REI


Nunca me arrependi tanto por não ter comprado um livro. Algum tempo atrás era muito raro sair correndo até a livraria mais próxima a cada lançamento editorial, ou a cada repercussão midiática por uma publicação, porque sempre achei que os livros são eternos. Como sempre tenho muitos na fila para ler, o fato de esperar um pouco para adquiri-lo acalma os ânimos e os preços, seis meses depois do lançamento é possível achar descontos generosos do valor inicial. Mas depois do caso ‘Roberto Carlos em Detalhes’ fiquei apreensivo, hoje faço uma análise e às vezes vou correndo comprar antes que o livro seja proibido, retirado das prateleiras, quem sabe queimado ou abandonado num depósito para deleite de traças, fungos, ou da atual “censura de toga”.

Foi exatamente isso que aconteceu com o livro O Réu e o Rei. Quando li uma matéria na Veja on line em maio de 2014 sobre o mais novo livro do Paulo Cesar de Araújo (1962), lançado sem alarde pela editora Companhia das Letras, que dizia: “Atenção, leitor: os advogados de Roberto Carlos estão lendo o livro. Por via das dúvidas, é melhor correr para garantir seu exemplar.” Foi exatamente o que fiz.

Quando o livro Roberto Carlos em Detalhes foi “censurado” pelo “Rei” da MPB a alegação era que o autor invadia sua privacidade. Como ainda não li esse livro aqui não cabe opinião. O Réu e o Rei é um livro que conta a saga do autor na construção da obra anterior, as entrevistas, os bastidores dos processos judiciais, que foram muitos, as repercussões na mídia, os pronunciamentos de biógrafos e possíveis biografados, além de todo o imbróglio sobre a lei das biografias na Câmara, no Senado e no Supremo Tribunal Federal. São 474 páginas que o autor, sabidamente, conta sua própria história e cita o “Rei” como seu ídolo e querelante, defendendo-se das muitas acusações que lhe foram atribuídas.

O livro me emocionou em diversos momentos. Conta histórias divertidas, inusitadas, e me remeteu a uma época que os artistas eram pessoas e não personas (personagens). Apesar de o autor buscar um tom imparcial nos capítulos pós-embargo do livro, citando depoimentos pró e contra as biografias não autorizadas, é claro, quase óbvio, que a balança tende a pesar para os ‘prós’ em quantidade, mas sem tirar o mérito da questão ou a importância da obra. Confesso que chorei junto com o Paulo Cesar ao ler o capítulo do acordo judicial, chorei como pessoa e como amante dos livros, pelo precedente aberto e pelo maniqueísmo da situação. Ao ler o último parágrafo de O Réu e o Rei, livro que é incompleto porque ainda não chegamos a um fim legislativo ou judiciário da questão, ficou gravada em minha memória uma frase que reproduzo aqui na íntegra sem qualquer prejuízo da sua leitura, o pensamento da historiadora Heloísa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais, que diz:

“Daqui a cem anos, quando nenhum de nós aqui mais existir, existirão as canções de Roberto Carlos e o livro Roberto Carlos em Detalhes para explicar às gerações futuras a grande importância deste artista na história da música Brasileira.”

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Louge das salas DeLux - UCI Orient - Shopping Barra
Data: 19/06/2015

sexta-feira, 17 de abril de 2015

ANO CINCO


Cinco é um número redondo, apesar de ser número ímpar, cinco anos indicam um quinquênio, são sessenta meses, duzentas e sessenta e uma semanas, mil oitocentos e vinte e seis dias, quarenta e três mil oitocentos e vinte e quatro horas, e por hora chega porque se eu for reduzir para segundos vai passar dos dois milhões e meio. Na forma cardinal dizemos ‘cinco’, na forma ordinal dizemos ‘quinto’ assim como também o dizemos quando o fracionamos, mas se usamos a forma múltipla dizemos ‘quíntuplo’ e se usarmos no coletivo será ‘quinteto’. Cinco são os sentidos, cinco são os dedos de uma das mãos e de um dos pés, Cinco Minutos é o título do primeiro livro do escritor José de Alencar publicado em 1856, cinco são as vogais, cinco é a hora do chá dos ingleses, cinco são os continentes, cinco são os pilares básicos da doutrina islâmica, são considerados cinco dias úteis na semana, o Grupo dos Cinco, formado por Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Mário de Andrade, foi o responsável pela Semana de Arte Moderna de 1922, o Brasil já venceu cinco vezes a Copa do Mundo de Futebol, cinco estrelas são dadas às avaliações top, e cinco anos é o tempo que estou escrevendo esse blog.

Em cinco anos de união são comemoradas Bodas e Madeira ou Ferro, quando o Blog do Roberto Camargo completou cinco anos ele preferiu Bodas de Ferro por sua ligação com a Torre Eiffel em Paris, eu vou optar pela Madeira, sem ela não haveria celulose que é matéria-prima para o papel, ainda hoje o principal componente dos livros. Os tecnológicos e os ambientalistas que me perdoem porque ainda não consigo ler livros digitais.

Ter um blog ativo não é tarefa fácil, e aqui não vou me lamentar afinal fui eu quem o inventou, mas é fato que escrever semanalmente exige dedicação e perseverança, alguma abnegação e desapego. Essa última palavra ouço muito até hoje. Há vários comentários no blog em que dizem achar bacana a ideia de abandonar livros em lugares públicos, mas que não entendem esse nível de desapego. Eu confesso que às vezes sofro um pouco ao abandonar um livro ainda muito novo, que poderia reler em algum momento no futuro, mas devo admitir que a expectativa de fomentar um novo leitor para a obra me faz muito feliz. Abandonando Livros não é um blog que está nas listas dos mais frequentados, mas estou extremamente feliz com sua evolução. Quando completamos um ano eu vibrava com as mil visitas e hoje já passamos das vinte e nove mil, para um blog sobre literatura acho uma façanha e tanto.

O crédito dessa evolução eu dedico a vocês: leitores assíduos, membros seguidores, leitores anônimos, aqueles que escrevem e-mails, comentam, perguntam e dão dicas. É para vocês que eu sento todo domingo pela manhã em frente ao computador para encarar a folha em branco e a decisão de escolher um livro na pilha ou estante. Esse hábito me deixa ligado, inspirado, ando lendo muito mais e isso é ótimo porque me melhora como ser humano. Espero que essa dedicação faça bem a vocês com faz a mim, então, até o próximo domingo.


PS: Hoje não tem foto de bolo como nos anos anteriores, estou de dieta, mas quero indicar a vocês a trilha sonora que tem embalado meus escritos nesses últimos meses, uma banda de gaúchos chamada Delicatessen Jazz que tive a felicidade e a honra de iluminar quando eles fizeram um show aqui em Salvador no Café Teatro Rubi.

domingo, 12 de abril de 2015

ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA?


Estava procurando um livro na estante quando dei de cara com ‘Onde Andará Dulce Veiga?’ obra do genial Caio Fernando Abreu (1948-1996) de quem já falei muito aqui no blog no ano passado ao escrever sobre Morangos Mofados e Os Dragões Não Conhecem o Paraíso. Este livro estará nas livrarias na categoria Romance, um estilo pouco visitado pelo autor que era um cronista de mão cheia. Mas não se engane o leitor que ainda não conhece as histórias do Caio, ao terminar a leitura sentirá o mesmo amargo na boca, sentirá o quanto perdeu por ainda não ter lido seus escritos, seu fino humor, nosso companheiro de viagem, aquele que fala de amor de uma forma tão intensa quanto gostaríamos de tê-los vivido.

O livro conta a história de um jornalista decidido a investigar o paradeiro de uma famosa cantora, Dulce Veiga, que desapareceu no dia da estreia do seu primeiro grande show há vinte anos. Publicado pela primeira vez em 1990 a obra foi recebida com receio, havia uma desconfiança de que o gênero romance pudesse diluir a potencia narrativa dos contos já publicados pelo autor, cuja técnica lhe valeu alguns prêmios. Entretanto Caio escreve uma história quase explosiva ao ligar cenas curtas de alto impacto, entremeadas de momentos esmagadoramente plácidos, quase beirando a linguagem cinematográfica de filmes noir.

Mas não seria Caio Fernando Abreu se a busca do jornalista não o conduzisse pelo submundo da vida noturna e o fizesse encontrar os mais bizarros tipos humanos, essa é a graça da leitura. Você percebe a densidade das ações, buriladas dolorosamente para a construção de uma obra inquietante e sempre renovada. Ao fazer o jornalista perseguir pistas da cantora desaparecida acaba traçando a trajetória de todos nós de maneira sutil, fluida. A busca acaba sendo ampliada para além do paradeiro de Dulce Veiga, ganha a projeção de nós mesmos.

Quem lê Caio Fernando Abreu é tocado de alguma forma, como uma navalha que pode fazer um corte sutil e também pode cortar fundo, um corte carregado de vida, morte, paixão, angústia, agonia, serenidade e amor. O toque da navalha de Caio não sangra, mas deixará uma cicatriz para sempre. Disso eu tenho certeza.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Sofá do foyer do Teatro Vila Velha
Data: 13/06/2015

domingo, 5 de abril de 2015

CABEÇA DE HOMEM


Quando vi na vitrine da livraria o livro do cantor/compositor/ator Leo Jaime (1960) eu pensei; mais um famoso se aventurando em águas editoriais para ganhar um trocado. Como sou curioso, lá fui eu folhear o livro e quando dei por mim já tinha lido a primeira crônica e estava com um volume nas mãos da fila do caixa. Curiosidade às vezes mata o gato, traz boas surpresas, ou não serve para nada. Nesse caso fico com a opção C.

Eu gosto do estilo Leo Jaime de ser, meio desencanado, frasista. Gosto da sua participação do programa Amor & Sexo, assim como gosto da sua postura no programa Saia Justa, junto com o jornalista Xico Sá, é um defensor e adorador do sexo feminino. É engraçado em vários momentos e analítico em outros. Talvez pelo sucesso do programa no canal GNT, ou por fazer parte do engraçadíssimo Amor & Sexo entretendo a plateia com as canções de acordo com o tema embora sem emitir muitas opiniões sobre eles, alguém tenha lhe soprado ao ouvido que poderia escrever sobre os relacionamentos homem X mulher.

Acredito que Leo Jaime seja um piadista, devido aos vários relacionamentos que teve na vida consegue tirar certo humor das situações do cotidiano dos casais, por vezes suas observações são bem pertinentes embora haja uma tendência meio óbvia para o endeusamento do sexo feminino tratando o homem como um ogro impondo um conceito de masculinidade quase universal. Todo homem tem que saber consertar um eletrodoméstico, tem que matar a barata e não suporta discutir a relação. Nesse contexto cabe às mulheres o papel de querer ser Gisele Bündchen a qualquer preço, estarem sempre querendo transformar o ogro em príncipe ou dizer as duas palavras mais temidas de um relacionamento: “precisamos conversar”.

É um livro rápido de ler exatamente porque há humor, uma despretensão meio Leo Jaime de ser, mas no meu caso eu passava de capítulo em capítulo procurando uma novidade, uma questão nova ou o ponto G. Na última página fiquei com uma sensação estranha, não de tempo perdido porque consegui dar umas risadas, mas porque é mais do mesmo. Não vou achar nem um pouco estranho se o livro for adaptado para o teatro e acabar com dois atores de Malhação viajando o Brasil inteiro em mais uma peça de casal.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Cantina Volpi - Ondina
Data: 07/06/2015