domingo, 26 de janeiro de 2014

CINQUENTA TONS DE CINZA


Às vezes me considero um homem preconceituoso em relação aos livros, quando todo mundo lê e comenta uma obra eu a renego, e nem adianta perguntar por quê. Tem algo do James Baldwin em mim, no post Giovanni de 17/11/2013 escrevi sobre esse autor que numa entrevista disse: “Li realmente tudo que me caiu nas mãos, com exceção da Bíblia, talvez porque era o único livro que me diziam que lesse”. Isso aconteceu comigo em relação a vários autores, depois que a febre inicial passa eu acabo cedendo e lendo a obra, em alguns casos me arrependi pela demora e o atraso na leitura.

Um caso clássico de renegação total foi Cinquenta Tons de Cinza da escritora E. L. James (1963), virou um best seller midiático muito rápido apesar da publicação fragmentada em três livros ao invés de um só. Um ano e meio se passou desde o lançamento e eu ouvindo todos os tipos de suspiros femininos, e masculinos, enquanto devoravam a linhas escritas pela autora. Ele lindo, Ela linda, Ele riquíssimo, Ela virgem, Ele não gosta do sexo “baunilha”, Ela reluta, mas no fundo gosta das brincadeirinhas sexuais fora do padrão, Ele a apresenta ao mundo, Ela o envolve querendo amor, Ele não é do tipo que vai mudar facilmente, afinal tem um passado obscuro, e Ela, como toda mulher, tem certeza de que vai modificar o homem pelo qual se apaixonou. É claro que esse mix nos abocanha e faz aflorar todo o romantismo que escondemos até de nós mesmos.

Mas não esqueçamos que trata-se de uma obra de ficção, e vai virar filme em breve para deixar nossos hormônios sexuais mais aflorados do que nunca, e apesar da autora ter uma linguagem fácil, muitas vezes com situações que de tão irreais mais parecem um capítulo de qualquer novela da Glória Perez, não posso negar que adorei os e-mails trocados entre Anastacia Steele e Christian Gray, são espirituosos, engraçados, com um tipo de humor cínico que muito aprecio e que é difícil conseguir passar para o papel, isso sem falar nas participações especiais do ‘Inconsciente’ e da ‘Deusa Interior’.

Para a inquisição de plantão, é um belo estudo de como hoje em dia as pessoas não conseguem falar umas com as outras olho no olho quando o assunto é sentimento, e, ao escrever um e-mail, torpedo, SMS, a coragem aparece.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Hotel Catarina Paraguassu - Rio Vermelho
Data: 30/03/2014

domingo, 19 de janeiro de 2014

O OPORTUNISTA


Já confessei em vários posts que sou noveleiro, assisto até novela ruim só pra ter a experiência de como não fazer. Claro que uma aqui e outra ali me pega de verdade e isso hoje em dia é mais raro de acontecer. Quando assisto Amor à Vida e todos os núcleos, isso mesmo, todos os núcleos são chatos e de tão inverossímeis chegam a ser caricatos, temo pelo sacrifício de alguns atores em dizer o texto, vide entrevistas recentes do Marcello Antony e do Juliano Cazarré. Mas é o personagem Félix, vivido pelo ator Mateus Solano que me causou a maior decepção, tinha tudo para ser um grande vilão, um personagem duro, sarcástico, capaz de atrocidades, egocêntrico, foi arremessado a uma caricatura de bicha espalhafatosa, que existe na vida real, mas que não se adequa ao perfil traçado até o capítulo 100 da novela, tudo para que o personagem obtenha o perdão do público e trace sua redenção ao bem supremo.

Na literatura estamos cheios de exemplos de histórias sobre pessoas inicialmente más e que depois se tornam boas em virtude de uma situação ou conflito. Piers Paul Read (1941) é um bom exemplo de autor para esse tipo de trama. Talvez vocês não conheçam a obra O Oportunista, mas devem conhecer o livro Os Sobreviventes, do mesmo autor, ou o filme do mesmo nome, que conta a história real de um desastre aéreo na Cordilheira dos Andes e dos sobreviventes comem a carne humana dos passageiros mortos para manterem-se vivos, já abandonei esse livro em 2010, leiam o post datado de 7/11.

Piers Paul Read é um mestre na escrita para tipos como o Félix, com uma linguagem bastante mordaz ele nos conduz a uma espécie de antessala do céu para contar uma história de pecado e perdão, crime e castigo, egoísmo e perversidade versus generosidade, e sem soar maniqueísta ele nos mostra a saga de um homem comum a situar-se entre o bem e o mal, o romântico herói desvirtuado convertendo-se ao bem e pagando o preço que a vida cobra por suas escolhas.

O livro é muito bem escrito e faz pensar, não sou puritano de achar que uma conversão apaga o que éramos. Em cada um de nós há um pecador e um santo, tanto um quanto o outro se desenvolvem, e eu disse tanto um quanto o outro, e não um ou o outro, e esse desenvolvimento é mútuo. É por isso que um homem bom tem sempre o mau na imaginação, e o inverso é recíproco, daí quando um homem mau se converte para o bem ele nunca começa do nada, eu acredito que ele fez algum progresso durante sua vida.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Porta do Casarão - Rua João Gomes - Rio Vermelho
Data: 30/03/2014

domingo, 12 de janeiro de 2014

A MULHER QUE MATOU OS PEIXES


É verão, um sol estarrecedor brilha lá fora, da janela do meu quarto onde agora escrevo vejo um céu azul esplêndido, uma canícula, como diria meu amigo Ricardo Linhares, pessoas passam pela calçada rumo à praia do Porto da Barra, ciclistas trafegam pra lá e pra cá naquelas bicicletas de cor laranja que são patrocinadas por um banco e fazem parte do projeto Salvador Vai de Bike. Mesmo com todo esse esplendor acordei com uma sensação de melancolia, talvez ainda não tenha caído a ficha de que é verão e nessa estação as pessoas que moram em balneários tem quase uma obrigação de sair às ruas, tomar sol e ser feliz, haja vitamina D.

Tomando um copo de suco de laranja de caixinha, minha nutricionista vai me matar quando ler isso, mas é de caixinha sim porque não tenho a menor aptidão para a cozinha e não consigo me imaginar espremendo uma laranja, pensei nessa melancolia e imediatamente fui remetido a autoras como Marguerite Duras, Lya Luft, Marguerite Yourcenar e claro, Clarice Lispector (1920-1977), minha mestra da introspecção.

Entretanto é verão e não posso, nem devo, passar essa minha inusitada melancolia matinal para você, nobre leitor desse blog. E foi com essa intenção que fui buscar um livro divertido da minha autora preferida intitulado A Mulher Que Matou os Peixes, uma fábula sobre animais de todas as espécies.

Ela começa o livro confessando um crime, e como ré confessa pede perdão aos leitores pelo infame homicídio duplamente qualificado de dois peixinhos vermelhos. Mas só nos contará como cometeu tal crime no fim do livro, não se trata de um suspense aleatório, Clarice não é disso, ela reserva o começo e o meio do livro para contar outras histórias de bichos que teve para nos cativar e perdoa-la no final.

A partir daí conheceremos a macaca Lisete, os cachorros Dilermano, Jack e Bruno, a lagartixa Pequena, coelhos, periquitas e muitos outros. São histórias sobre afeto e compreensão e nelas estão seus bichos de estimação, os que vieram sem ser convidados e foram ficando e os que ela escolheu para criar.

Já escrevi isso aqui e não me canso de repetir, saudade de uma Clarice Lispector em nossas vidas.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Shopping Barra - Entrada escada rolante G-Norte
Data: 16/03/2014

domingo, 5 de janeiro de 2014

O AMANTE


A história que apresento a vocês é relativa à descoberta do amor e do sexo por uma adolescente, filha de uma família de colonos falidos da Indochina Francesa. Centralizada em duas datas, 1932 e 1949, conta o amor proibido da menina branca, sua entrega aos quinze anos a um jovem chinês muito rico, doze anos mais velho que ela, e de quem se torna amante. A menina descobre o sexo e nele vê uma forma de escapar da derrocada de sua família, da solidão eminente, e com isso não percebe que envelhece precocemente.

Ao lançar o livro O Amante, sua autora Marguerite Duras (1914-1996) declarou:

“Essa é a história de uma pequena parte de minha juventude, já a escrevi mais ou menos, quero dizer, já contei alguma coisa sobre ela, falo aqui daquela mesma parte, a parte da travessia do rio. O que faço agora é diferente, e parecido. Antes, falei dos períodos claros, dos que estavam esclarecidos. Aqui falo dos períodos secretos dessa mesma juventude, das coisas que ocultei sobre certos fatos, certos sentimentos, certos acontecimentos.”

Há de se dizer que é uma definição estranha e curiosa sobre o livro. Mas também há de se dizer que é um livro corajoso e escrito de uma forma densa, profundamente humana, contando experiências de vida com uma enorme intensidade. Com certeza posso afirmar que esse é um livro para leitores atentos, suas inúmeras sutilezas somente serão reveladas na totalidade com algumas releituras.

Num livro com 127 páginas isso pode ser feito com facilidade.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Estacionamento Bompreço Centenário
Data: 06/09/2014