domingo, 27 de maio de 2012

INSTINTO SELVAGEM


Uma cruzada de pernas em frente aos homens que a interrogam e ela, displicentemente, deixa-os perceber que não está usando calcinha. Esse detalhe, que dura exatos dois segundos, faz com que a cena entre para os anais do cinema mundial.

O filme chama-se Instinto Selvagem e eu comprei o livro achando que este teria inspirado o filme, mas foi o contrário. O roteiro cinematográfico inspirou o romance escrito por Richard Osborne e exatamente por isso faço aqui uma recomendação: quem viu o filme não leia o livro e quem se dispuser ler o livro, é melhor que não veja o filme. As obras não se completam. Geralmente o livro traz outras nuances e desenvolve mais o intelecto dos personagens, tem o poder de descrever com mais detalhes o perfil de cada um que talvez na tela grande do cinema passe despercebido, mas não é isso que acontece. Richard Osborne basicamente se limita a transcrever o roteiro escrito por Joe Eszterhas para o filme.

O enredo é: Johnny Boz, antiga estrela de rock e proprietário de um clube noturno em São Francisco é encontrado morto na sua cama. O caso é entregue ao detetive Nick Curran, no cinema interpretado por Michael Douglas, que tem um passado de alcoolismo e consumo de drogas, embora já esteja recuperado. A principal suspeita é Catherine Tramell, romancista que mantinha uma relação há algum tempo com Boz. A psiquiatra da polícia, Beth Gardner, ex-namorada de Nick, é convidada a participar nas investigações depois de se descobrir que o homicídio de Boz foi copiado diretamente de um dos romances de Catherine. Nick acaba por se envolver com Catherine e todos parecem ser suspeitos. É um thriller povoado de paixão, prazer, sexo e assassinatos.

Reza a lenda que a cruzada de pernas não estava no roteiro base, mas o diretor Paul Verhoeven propôs que a atriz levasse ao extremo o briefing do personagem. A atriz em questão é Sharon Stone, que aceitou o desafio de viver a rica, atraente e manipuladora Catherine Tramell e se tornou a protagonista da cena que permeia o imaginário coletivo desde 1992.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: G2 - Salvador Shopping
Data: 03/06/2012

sábado, 19 de maio de 2012

GOTA D'ÁGUA


Não resisto à obra de Chico Buarque, então decidi abandonar um clássico, nascido clássico, inspirado no clássico e com muitas clássicas interpretações, se me permitem.

Eu era criança quando vi Fernanda Montenegro interpretando Medéia no extinto programa Caso Especial que a Globo transmitia. A tragédia clássica de Eurípedes adaptada de forma muito bem sucedida para a TV marcou esse personagem em minha memória.

A partir dessa adaptação para a TV (1973), feita por Oduvaldo Viana Filho, Chico Buarque e Paulo Pontes transformam a história num musical (1975), estrelado por nada mais, nada menos, que Bibi Ferreira. O personagem Joana (Medéia) marcaria para sempre a carreira da atriz/cantora/diretora que até hoje, com quase 90 anos, ainda interpreta a música tema em seus shows.

A Medéia do clássico de Eurípedes se transforma em Joana no clássico Gota D’Água, mulher madura, sofrida, moradora de um conjunto habitacional, submetida pelos autores a uma injeção da nossa realidade urbana. Medéia é um clássico sobre reis, feitiços e vinganças, Gota D´Água é uma história sobre pobres, macumbeiros, personagens bem construídos para uma realidade que é nossa, e por extensão, de todos aqueles que sofrem na carne as contradições e as injustiças sociais.

Escrito em versos o texto transforma o nobre em vulgar, toda a pompa da tragédia grega é substituída pelo comum, a linguagem, mesmo em versos é quase chula, reis e príncipes dão lugar às pessoas do povo, os deuses da mitologia dão lugar às divindades do candomblé e Joana, Jasão e Creonte cumprem a sua saga.

“Pode ser a gota d’água, pode ser a gota d’água...” cantam os versos e você se arrepia. De novo, um clássico.



Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Museu Rodin
Data: 02/06/2012

domingo, 13 de maio de 2012

ÓPERA DO MALANDRO


Faz muito tempo que a peça/musical Ópera do Malandro permeia minha vida. Primeiro foi a trilha sonora que fez um sucesso estrondoso e teve vida própria independente do conteúdo e do conhecimento do texto. Gal Costa e sua interpretação impecável de Folhetim, ou Zizi Possi com Pedaço de Mim, e não posso esquecer de As Frenéticas cantando Ai, Se Eles Me Pegam Agora, marcaram época na MPB e nas carreiras das cantoras em si. Depois o filme, que assisti em 1986 e até hoje permanece gravada em minha memória a cena entre Elba Ramalho e Cláudia Ohana cantando O Meu Amor como se fossem dois galos de briga.

Anos depois assisti minha primeira versão teatral, com direção de Gabriel Vilela, no TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo, uma montagem farsesca e pendendo para a comédia com vários amigos em cena. Mais tarde assistiria a uma nova versão com Alexandre Schumacher no papel de Max Overseas consagrado pela crítica e público.

Escrita em 1978 a peça se passa na década de 1940, tendo como pano de fundo a legalidade do jogo, a prostituição e o contrabando. Um cafetão de nome Duran, que se passa por um grande comerciante, sua mulher Vitória, uma cafetina que vivia da exploração das suas meninas, sua filha Teresinha, apaixonada por Max Overseas, que, por sua vez, vivia de golpes e conchavos com o chefe de polícia, são personagens inesquecíveis. Em especial o travesti Geni, maltratado por todos até que o comandante do zepelim resolve bombardear a cidade, mudando de ideia com a condição de ter uma noite de amor com o travesti. É um momento importante na peça e a música Geni e o Zepelim é a trilha perfeita para a cena.

Cabe uma grande ressalva para a genialidade de Chico Buarque na composição das letras e músicas, que estarão em meu inconsciente para sempre. Na edição que pretendo abandonar contém todas as letras das músicas em seus respectivos momentos de cena.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Shopping Barra - Praça de alimentação
Data: 02/06/2012

domingo, 6 de maio de 2012

AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT


Continuando a série de livros que foram gerados em outras vertentes, mas que também mereceram uma publicação impressa, hoje vou escrever sobre uma obra fantástica de um autor que também é diretor, ator, dramaturgo, e encenador para teatro, televisão e cinema: Rainer Werner Fassbinder (1945 – 1982). Considerado o mais produtivo dos diretores do Novo Cinema Alemão, Fassbinder tinha personalidade forte e imprimiu isso em sua intensa participação na vida cultural alemã.
Embora lançado originalmente como filme em 1972, foi no teatro em 1982 que assisti pela primeira vez As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Com interpretações memoráveis de Fernanda Montenegro (Petra), Renata Sorrah (Karina, o amor de Petra) e Juliana Carneiro da Cunha (Marlene, a fiel escudeira). E cabe aqui ressaltar a direção segura de Celso Nunes na montagem. Fernanda consegue magistralmente encarnar o espírito que Fassbinder imprime às mulheres em suas obras.
No seu trabalho predominaram as temáticas relativas à situação dos “deslocados” na sociedade alemã, a condição humana de amar e não ser correspondido, a entrega, a trapaça, o vale tudo do amor, tema fundamental de As Lágrimas..., o texto reflete o estado dos seres humanos, independente de sexo, raça ou lugar. A solidão, o medo, o desespero, a angústia, uma busca pela própria identidade e o amor são assuntos recorrentes para Fassbinder. Em suas obras sempre haverá um lugar essencial para a mulher, figura que servirá para propagar as diversas formas de emancipação feminina. Podemos conferir isso através de três heroínas que protagonizam sua trilogia da Alemanha Ocidental: Maria Braun, interpretada por Hanna Schygulla em "O Casamento de Maria Braun" (1979), Lola, vivida por Barbara Sukowa em "Lola" (1981) e Veronika Voss, interpretada por Rosel Zech em "O Desespero de Veronika Voss"(1982).
Nunca em minha vida vou esquecer a cena: É o aniversário de Petra, Karina não aparece e não liga, Petra está com a mãe, a filha, e Sidônia, uma amiga. Elas discutem e num acesso de fúria e degradação Petra destrói tudo que foi montado para o chá, literalmente. A cena protagonizada por Fernanda Montenegro é tão visceral, tão real, que a plateia reage num misto de emoção e medo. Alguns choram, outros seguram firme a mão de seus acompanhantes. Em cena todos vão embora deixando Petra sozinha. Marlene a ampara e Petra, finalmente, a enxerga como pessoa.

- Senta aqui... Me fala da tua vida. (cai o pano)

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de Ônibus - Em frente ao hotel Atlantic Towers - Ondina
Data: 26/05/2012