domingo, 27 de julho de 2014

GENTE COMO A GENTE


Recentemente fui ao cinema ver um filme chamado O Último Amor de Mr. Morgan, um raro exemplar nas telonas que foge à tendência mundial de filmes cada vez mais ágeis e voltados para plateias repletas de jovens desconcentrados. Matthew Morgan é um octogenário que vive sozinho e solitário após o falecimento de sua esposa, o destino faz com que uma jovem entre em sua vida trazendo novos ares que reverberam inclusive nos filhos de Matthew, embora isso só aflore nele cada vez mais a sensação de finitude e as angústias da necessidade de continuar ou não a viver.

Não vou contar aqui o fim do filme para não estragar a surpresa de quem ainda não o viu, mas saí do cinema com aquela sensação estranha que sempre acontece quando um filme, uma peça de teatro, ou um livro me causam algum impacto. O tema suicídio sempre foi tratado como maldito e conheço poucas obras literárias que tratam essa referência com o devido respeito. Hoje me lembrei de um livro, que depois virou filme de sucesso, escrito pela então estreante Judith Guest (1936) chamado Gente Como a Gente que trata o tema de forma sensível embora nada indulgente.

É uma história emocionante sobre as transformações sofridas pelos Jarrett, uma família comum de classe média, no momento que o filho mais jovem retorna do hospital após tentar o suicídio. Sentindo-se culpado pelo acidente que vitimou seu irmão mais velho, Conrad sabe que nunca foi o filho queridinho, embora a mãe e o pai se esforcem para manter as aparências, de modo que todos permaneçam unidos.

É um livro que trata questões inerentes ao ser humano: amor, ódio, culpa, morte, relações familiares, a cada página lida emoção e reflexão se contrapõem de forma admirável. No cinema marcou a estreia de Robert Redford na direção, agraciado com o Oscar por isso, e deu a Mary Tyler Moore o papel de sua vida como Beth Jarrett.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Escada da garagem subsolo - Shopping Barra 
Data: 12/10/2014

domingo, 20 de julho de 2014

DE MALAS PRONTAS


Em novembro/2012 escrevi um post para o livro ‘É Tudo Tão Simples’, na época o mais recente lançamento da também escritora Danuza Leão (1933) que, ao acabar de ler, fiquei com a sensação de que na vida da escritora nada é tão simples assim. O canal VIVA de TV fechada está reprisando a novela Dancin’ Days e Danuza está lá, participando como personalidade de uma das festas na casa de Julia Mattos, a mesma Danuza que era consultora da Rede Globo na época para ensinar os atores a serem ricos nas novelas de Gilberto Braga.

Recentemente estive em São Paulo e, acompanhado dos meus amigos Roberto Camargo e Claudio Olivotto em diferentes dias, conheci alguns restaurantes fora da ordem; bistrôs de comidinhas elegantemente servidas com inspiração parisiense, um restaurante de comida peruana completamente escondido no centrão, em plena Rua Aurora, sem placa ou identificação a não ser o número do prédio, um restaurante meio mafioso de comida asiática chamado Chi Fu, onde todas as mesas são comunitárias, não aceita cartão de débito ou crédito, nem emite nota fiscal ou pergunta se você a quer, além de uma doceria portuguesa com os famosos Pastéis de Belém feitos a vista do freguês, meu colesterol nesse dia foi elevado à quinta potência. O mais estranho disso tudo é que em todos comi muito bem e me regalei com os sabores. Experiências de viajante.

E você, caro leitor do blog, deve estar se perguntando o que o primeiro parágrafo tem a ver com o segundo. Eu explico. Encontrei numa das minhas arrumações de estante o livro ‘De Malas Prontas’, escrito pela Danuza Leão e que relata exatamente experiências de viajante nas cidades de São Paulo, Buenos Aires, Berlim e Londres, uma espécie de continuação de um primeiro livro que ela compartilha sua visita por Sevilha, Lisboa, Paris e Roma. Não é um guia de viagem, eu encarei como um livro de crônicas em que a autora se propõe a dividir vivências e a dar indicações de lugares, na sua grande maioria, super, hiper, mega luxuosos, que não estão ao alcance dos mortais que hoje em dia conseguem viajar parcelando tudo a perder de vista.

São relatos que incluem um assento de vaso sanitário aquecido, mimo de um hotel em São Paulo, os cafés de Buenos Aires, a efervescente noite de Berlim pós queda do Muro e até a indicação de uma famosa chapelaria em Londres que pode atender rainhas e plebeias. Recomendo a leitura com bom humor e mente aberta para o desconhecido, afinal, nem tudo que é luxo é frívolo, pode ser sinônimo de cultura.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Ponto de ônibus em frente ao Teatro Castro Alves
Data: 13/09/2014

domingo, 13 de julho de 2014

MEMÓRIAS DE ADRIANO


Lembro perfeitamente do dia, eu estava sentado na escada que ligava o pátio antigo ao novo do Colégio Dois de Julho quando minha professora de português e redação passou dirigindo-se à sala que nos daria mais uma aula e, percebendo o livro que eu lia, perguntou: “Você está entendendo o conteúdo desse livro?”. Eu fiquei envergonhado, era um livro difícil para meus dezoito anos, várias vezes eu tinha que reler algumas passagens para entender o pensamento do Imperador e a autora da biografia, mostrei a ela algumas anotações, grifos feitos a lápis em diversas páginas e disse: Não entendo tudo mas estou me esforçando, anotei algumas coisas de que gosto muito. Ela leu calmamente alguns desses parágrafos grifados me encarou e disse: “Hoje você está dispensado da minha aula, faço isso somente porque percebo que você está em excelente companhia.”

Até hoje fico emocionado com essas palavras. Confesso que já reli Memórias de Adriano três vezes e em tempos diferentes da minha vida, assim como também o faço com O Pequeno Príncipe, e, guardadas as devidas proporções, aprendo muito tanto com um como com o outro. E o mais interessante desse livro é que a cada leitura acabo fazendo novos grifos. Reza a lenda que Marguerite Yourcenar (1903-1987) levou vinte e sete anos para escrevê-lo, sua conclusão consumiu infindáveis horas de pesquisa, diversos manuscritos foram por ela destruídos, interrompidos para pesquisas mais profundas e inúmeras crises de desânimo. Nas horas de desencorajamento diante da grandeza do processo ela visitava museus, passava horas completamente perdida em bibliotecas e sofria muito pela obra inacabada. Anotava coisas, escrevia, reescrevia, recolhia dados, buscava conhecimento para compreender e absorver a essência da personalidade do Imperador Adriano.

O resultado disso foi a publicação de uma das mais fascinantes obras do século XX, escrita na primeira pessoa, com um salto de dezoito séculos sobre o tempo, a biografia romanceada de Adriano reconstrói não só a ambientação física, política, social e cultural do seu tempo, mas também a faceta psicológica de um grande imperador romano. O livro foi publicado em 1951, mas só em 1980, quando Marguerite foi eleita para ocupar a cadeira de Roger Caillois na Academia Francesa de Letras, as editoras nacionais deram a devida atenção a essa escritora que já tinha vinte e cinco livros publicados.

Memórias de Adriano é um livro clássico, daqueles que você encontra em qualquer lista de livros que você deve ler antes de morrer, mas não é um livro fácil, há de se ter concentração, paciência e perseverança. Aquele que perseverar será brindado com palavras inesquecíveis como essas:

“Quantas vezes, tendo-me levantado muito cedo para ler ou estudar, eu próprio coloquei em ordem as almofadas amassadas e os lençóis amarrotados, evidências quase obscenas nos nossos encontros com o nada, provas de que a cada noite deixamos de existir...”

Uma nota aqui se faz necessária, não vou abandonar o exemplar da minha juventude, 5ª edição. Abandonarei uma versão em capa dura que comprei há algum tempo, mas tive o cuidado de transcrever todos os grifos que fiz no meu até a data de hoje.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Caixa Cultural - Exposição Desing Brasileiro - Moderno & Contemporâneo
Data: 13/09/2014

domingo, 6 de julho de 2014

DEPOIS DA ESCURIDÃO


Escrevi aqui no post ‘Escrito nas Estrelas’ (Mar/2014) que, mesmo após sua morte, quatro livros haviam sido publicados usando argumentos criados pelo escritor Sidney Sheldon (1917-2007). Sou fã do autor e não nego isso, embora muitos se espantem com o fato já que Sidney Sheldon é um autor considerado “menor” pelas academias de letras, isso porque seus livros são puro entretenimento e ele ficou rico com isso. Não me importo nem um pouco, recomendo sempre a leitura das suas obras quando algum iniciante na literatura me pede uma sugestão. Eu comecei a ter o hábito da leitura com os gibis, depois passei para os livros de bancas até chegar aos mais eruditos. Acho que é sempre melhor começar a gostar de ler com um ‘Se Houver Amanhã’ do que enfrentando de cara um ‘Guerra e Paz’.

Diz a lenda que Sidney Sheldon tinha o costume de contar a história oralmente, às vezes usava o gravador ou o fazia diretamente para sua secretária enquanto a mesma datilografava, houve dias de conseguir escrever cinquenta páginas. No dia seguinte ele revisava os escritos e recomeçava o processo até que finalmente estivesse satisfeito com o produto final. Com base nessas gravações a família consegue prorrogar o legado mesmo após a morte do autor, satisfazendo fãs do mundo inteiro a cada novidade e ganhando muito dinheiro com isso, é claro.

Depois da Escuridão é o segundo livro lançado após a sua morte, e tem a jornalista quase desconhecida Tilly Bagshawe (1973) como coautora. As bases do enredo são as mesmas: Grace Brookstein, uma mulher linda, inocente, rica, vê seu mundo desabar após o desaparecimento do seu marido, o bilionário Lenny Brookstein, e a posterior notícia sobre um grande rombo do fundo Quorum, administrado por Lenny. Grace vê sua vida de queridinha da América transformar-se num quase linchamento público face à falência de milhares de famílias e de pequenas instituições uma vez que ela é a principal suspeita do roubo da instituição financeira. Ela sabe da sua inocência e fará tudo para provar isso, descobrirá de imediato que ninguém à sua volta é digno de confiança e terá que deixar para trás a Grace doce e angelical se quiser descobrir toda a verdade.

Eu acho, na minha humilde opinião, que Tilly Bagshawe ainda tem muito chão até conseguir chegar aos calcanhares de um Sidney Sheldon. Mas a família dele confia em seus dotes como escritora. Como também acho que cada pessoa deve ter a sua opinião sobre os fatos, instigo você, nobre leitor do blog, a ler o livro e ter a sua.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Estacionamento G2 - Shopping Barra
Data: 06/09/2014