domingo, 13 de julho de 2014

MEMÓRIAS DE ADRIANO


Lembro perfeitamente do dia, eu estava sentado na escada que ligava o pátio antigo ao novo do Colégio Dois de Julho quando minha professora de português e redação passou dirigindo-se à sala que nos daria mais uma aula e, percebendo o livro que eu lia, perguntou: “Você está entendendo o conteúdo desse livro?”. Eu fiquei envergonhado, era um livro difícil para meus dezoito anos, várias vezes eu tinha que reler algumas passagens para entender o pensamento do Imperador e a autora da biografia, mostrei a ela algumas anotações, grifos feitos a lápis em diversas páginas e disse: Não entendo tudo mas estou me esforçando, anotei algumas coisas de que gosto muito. Ela leu calmamente alguns desses parágrafos grifados me encarou e disse: “Hoje você está dispensado da minha aula, faço isso somente porque percebo que você está em excelente companhia.”

Até hoje fico emocionado com essas palavras. Confesso que já reli Memórias de Adriano três vezes e em tempos diferentes da minha vida, assim como também o faço com O Pequeno Príncipe, e, guardadas as devidas proporções, aprendo muito tanto com um como com o outro. E o mais interessante desse livro é que a cada leitura acabo fazendo novos grifos. Reza a lenda que Marguerite Yourcenar (1903-1987) levou vinte e sete anos para escrevê-lo, sua conclusão consumiu infindáveis horas de pesquisa, diversos manuscritos foram por ela destruídos, interrompidos para pesquisas mais profundas e inúmeras crises de desânimo. Nas horas de desencorajamento diante da grandeza do processo ela visitava museus, passava horas completamente perdida em bibliotecas e sofria muito pela obra inacabada. Anotava coisas, escrevia, reescrevia, recolhia dados, buscava conhecimento para compreender e absorver a essência da personalidade do Imperador Adriano.

O resultado disso foi a publicação de uma das mais fascinantes obras do século XX, escrita na primeira pessoa, com um salto de dezoito séculos sobre o tempo, a biografia romanceada de Adriano reconstrói não só a ambientação física, política, social e cultural do seu tempo, mas também a faceta psicológica de um grande imperador romano. O livro foi publicado em 1951, mas só em 1980, quando Marguerite foi eleita para ocupar a cadeira de Roger Caillois na Academia Francesa de Letras, as editoras nacionais deram a devida atenção a essa escritora que já tinha vinte e cinco livros publicados.

Memórias de Adriano é um livro clássico, daqueles que você encontra em qualquer lista de livros que você deve ler antes de morrer, mas não é um livro fácil, há de se ter concentração, paciência e perseverança. Aquele que perseverar será brindado com palavras inesquecíveis como essas:

“Quantas vezes, tendo-me levantado muito cedo para ler ou estudar, eu próprio coloquei em ordem as almofadas amassadas e os lençóis amarrotados, evidências quase obscenas nos nossos encontros com o nada, provas de que a cada noite deixamos de existir...”

Uma nota aqui se faz necessária, não vou abandonar o exemplar da minha juventude, 5ª edição. Abandonarei uma versão em capa dura que comprei há algum tempo, mas tive o cuidado de transcrever todos os grifos que fiz no meu até a data de hoje.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Caixa Cultural - Exposição Desing Brasileiro - Moderno & Contemporâneo
Data: 13/09/2014

Um comentário:

  1. Eu, como você, li essa obra na época do seu lançamento e era muito uovem para compreendê-la em toda sua extensão. Preciso reler com urgência! Belo post! Adorei a história da professora.

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